A primeira vez que António Ermida, de 74 anos, vestiu o fato de Pai Natal foi há seis anos. Na altura procurava ganhar algum dinheiro extra e respondeu a um anúncio de jornal que procurava um homem que pudesse dar vida ao velhote mais famoso do mundo. Acabou por ser escolhido e assim descobriu uma nova vocação. “Percebi que o meu compromisso é ser Pai Natal, é poder ajudar e testemunhar a alegria dos miúdos. Mais, descobri que cada criança tem uma conversa diferente, quer conselhos diferentes”.
Foi assim que António percebeu que ser Pai Natal é também ser um pouco um psicólogo. “Alguns meninos contam-me aquilo que não contam aos pais, como um menino que tinha vergonha de assumir que o presente que desejava era uma Barbie ou uma menina que estava muito triste porque os pais se tinham separado e ela tinha ido viver com a avó, de quem gostava muito, mas que já não tinha energia para brincar”.
Ainda assim, a maioria das crianças quer mesmo é fazer os seus pedidos de presentes. “Chegam e dizem ‘Eu quero isto!’. Nessa altura tenho de lhes explicar que não é bem assim, que antes preciso de saber se se portaram bem, se tiveram boas notas na escola. Às vezes trazem listas enormes e eu digo que o Pai Natal não recebe subsídios e por isso só podem escolher dois presentes”. A verdade é que a crise dos últimos anos já modificou até a forma como os mais pequenos pedem presentes ao Pai Natal: “Antes traziam o catálogo e queriam tudo. Agora já se retraem, nota-se que, em casa, os pais já lhes foram explicando que não podem ter tudo. E eu, claro, tenho de ajudar os pais. Arranjo um bode expiatório, como a Troika, e digo que é por causa dela que o Pai Natal não pode dar todos os presentes que eles desejariam”.
Este é o terceiro ano que António Ermida trabalha no El Corte Inglés de Lisboa. Veio substituir os anteriores Pais Natal, que a idade ditou que deixassem de desempenhar funções. “Quando chegou a altura de encontrar um novo Pai Natal fizemos várias entrevistas para conhecer os candidatos e escolhemos o António. Estamos satisfeitos e queremos continuar esta colaboração porque acreditamos que é importante que exista uma relação de confiança entre a empresa, o Pai Natal e as crianças e famílias que nos visitam. Ainda assim, todos os anos recebemos candidaturas de pessoas que querem ser o Pai Natal”, explica Vasco Marques Pinto, do gabinete de comunicação do El Corte Inglés.
Este ano, a Casa do Pai Natal instalou-se no 5.º andar da loja espanhola. Parece um cantinho mágico, onde se pode brincar e descobrir todos os recantos que compõem esta casa que poderia ter saído da Lapónia. Este ano, além de tirar fotos e ouvir o que os mais pequenos têm para lhe dizer, o Pai Natal da loja espanhola oferece o conto infantil Palhinha, uma edição exclusiva – criada por autores portugueses e autografada pelo Pai Natal.
Os fins-de-semana são os dias mais movimentados. Avós, pais, netos e filhos fazem uma romaria até à Casinha do Pai Natal e a fila chega a estender-se pelo corredor fora. Quando finalmente chega a sua vez, os miúdos começam, quase sempre, por puxar as barbas – querem ter a certeza de que estão perante o verdadeiro Pai Natal. Alguns, sobretudo os mais pequenos, assustam-se perante aquela figura imponente. Mas a maioria quer sentar-se ao seu colo para fazer os seus pedidos. E acreditam.
Quando se aproxima o Natal, todas as rotinas de António Ermida se alteram. Cerca de trinta minutos antes de começar o seu dia de trabalho (num horário que pode arrancar às 11 ou às 13 horas e que começa a 21 de Novembro para só terminar a 24 de Dezembro), António Ermida chega às instalações do El Corte Inglés. É muito rápido a vestir a pele de Pai Natal. É que há muita coisa para a qual não necessita de artefactos. “A barriga é minha, tal como a barba!”, brinca.
Durante o resto do ano, continua a trabalhar, tal como no passado, em publicidade e em figuração na televisão e no cinema. No entanto, passou a ansiar que chegasse a recta final do ano, para que possa encarnar a sua personagem favorita. Esta dedicação a fazer sonhar os mais pequenos é tal que já o levou a deixar a família na noite de 24 de Dezembro para a passar a distribuir presentes na casa de um futebolista português que, até se mudar para o Dubai, o costumava contratar para ser o Pai Natal em sua casa.
E quando não está a trabalhar, até no seu próprio lar se veste de Pai Natal para alegrar a família – onde conta com cinco netos e um bisneto. “Agora divido essa tarefa com o meu filho mais velho. Um de nós veste-se de Pai Natal e distribui os presentes. A verdade é que já nem consigo imaginar o Natal sem isto. Não seria Natal!”, desabafa. Mas e será que o Pai Natal António Ermida também pede desejos? “Claro. Peço saúde e paz. E peço que a minha família possa usufruir desta época”. Porque o Natal, com ou sem Pai Natal, é acima de tudo a festa da família.