Salgado usa a narrativa vitimizante de Sócrates

Ricardo Salgado estava no posto de comando quando levou um banco histórico à falência e conduziu um império familiar à ruína. Agora, não só não assume as responsabilidades da sua falhada liderança, como atira todas as culpas para cima dos outros. De muitos outros.

De Machado da Cruz, o contabilista da holding do grupo, a ESInternational, que escondeu desde 2008 milhares de milhões de prejuízos sem que ele, Salgado, coitado, desse por nada. Do governador do Banco de Portugal, que não quis dar mais tempo a Salgado, coitado, para alargar ainda mais o buraco negro do GES, que já ia nos seis mil milhões de euros negativos. De Álvaro Sobrinho e da autonomia informática no BESAngola, que o apanharam a ele, Salgado, coitado, desprevenido sobre os milhões em créditos desaparecidos. Da ministra das Finanças e de Passos Coelho, que recusaram financiar Salgado, coitado e já em desespero de causa, com 2 mil ou 3 mil milhões a fundo perdido (como os 900 milhões desviados da PT já à beira do abismo) que sairiam dos cofres do Estado. 

O longo depoimento, desculpabilizante e anestesiante, de Ricardo Salgado no Parlamento foi um misto de sonsice, meias verdades, meias mentiras e muita dissimulação. Faz lembrar o seu amigo José Sócrates com esta narrativa vitimizante e desresponsabilizadora, com este doentio estado de negação dos factos e da própria realidade. Salgado pensa que, no fundo, no fundo, somos todos parvos. Menos ele.

Juntando a infantilidade autojustificativa do sonso depoimento de Ricardo Salgado com o que se pode ouvir – de impreparação técnica, negligência profissional e mediocridade intelectual – nas horas e horas de gravações do Conselho Superior que reunia a nata do grupo Espírito Santo fica um retrato preocupante das pseudo-elites que têm dirigido o país nas últimas décadas.

Preocupante e deprimente. Mas, felizmente, há mais vida para além dos Salgados e Sócrates deste mundo.

jal@sol.pt