Contra esta linha, Nietzsche tentou destruir – e em parte conseguiu – o bem e o mal de dois mil e quinhentos anos de filosofia e religião ocidentais, em que o logos – divino ou humano – dava um sentido à História e à vida dos homens. Um sentido que, a partir dos Evangelhos, de Tomás de Aquino, dos humanistas e até dos seus sucessores laicos da Ilustração, era sinónimo de progresso. Hegel, mestre de conservadores e revolucionários, explicava-o assim: “Todo o real é racional e todo o racional é real”.
Desta tendência racionalizadora do que é, vem também a tentação de buscar no passado acontecido a raiz do presente, não admitindo alternativas e negligenciando o potencial futuro de alguns caminhos marginalizados pela marcha da História. Como Teseu, temos medo de nos perder o fio que Ariadne segura e de, nessa perdição, perder a razão, deixando-nos devorar pelos minotauros de um qualquer passado obscuro.
Para que em Sarajevo, no dia 28 de Junho de 1914, se mudasse ou se determinasse o rumo da História, tinham que estar ali todos os intervenientes, as vítimas e os assassinos: o arquiduque Francisco Fernando e Sofia Chotek, em carro aberto, o motorista equivocado e Gravilo Princip. E o motorista tinha mesmo que se enganar no caminho e seguir pela travessa erma por onde, desiludido, voltava o magnicida. Tragédia de enganos, esta, que pôs no labirinto dos futuros possíveis, o nosso futuro.
Os tiros de Sarajevo seriam o motor (estávamos já no tempo das máquinas) que poria a andar a engrenagem que nos 50 meses seguintes iria levar à morte de cerca de dez milhões de homens, acabar com quatro impérios – o Austro-Húngaro, o Alemão, o Russo czarista e o Otomano – e iniciar uma revolução de classes na Rússia que desencadearia, por contágio e reacção, outras revoluções e contra-revoluções.
A ditadura proletária dos bolcheviques contribuiria para a vitória dos fascistas italianos e para as ditaduras e autoritarismos na Península Ibérica, nos Balcãs e na Europa Central; e, quase vinte anos depois, para que Hitler conquistasse o poder na Alemanha. Por esse tempo, 1933, já Josef Estaline, mandava na União Soviética, iniciando o Grande Terror.
Do confronto destes totalitarismos iam nascer a guerra civil europeia e a Segunda Guerra Mundial, que causaria no mundo, entre civis e militares, seis ou sete vezes os dez milhões de mortes da primeira e carnificinas e crimes dignos das narrativas da Antiguidade.