Acidentes de trânsito estão a aumentar

A sinistralidade está a aumentar. Até ao dia 7 deste mês, as autoridades já tinham registado 109.329 acidentes que causaram vítimas e/ou danos materiais – mais 2% do que em igual período de 2013. O mesmo aconteceu em relação ao número de feridos graves: desde o início do ano, 1.933 pessoas sofreram lesões graves na…

Acidentes de trânsito estão a aumentar

O agravamento destes indicadores – com excepção para o número de mortos, que desceu 7% – começou a desenhar-se já no ano passado e representa uma inversão da tendência de descida da taxa de sinistralidade que se verificava desde 1998, mais acentuada a partir de 2010.

O consumo de combustível – gasóleo – está a aumentar, sinal claro de que o volume de tráfego nas estradas sofreu um impulso. E, por outro lado, os condutores voltaram a arriscar mais, apontam os especialistas.

Despistes subiram 6% e são mais graves

“Não podemos dissociar os comportamentos na estrada da situação geral do país. Nesta altura, há um certo 'alívio da crise', as pessoas sentem um desafogo mínimo e têm tendência para conduzir mais depressa”, diz Manuel João Ramos. A par disto, sublinha o presidente da Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados (ACAM), há o efeito de uma crise de autoridade: “Quando não há autoridade do Estado e as instituições estão descredibilizadas, os condutores tendem a comportar-se mais livremente, o que gera comportamentos de maior risco”.

O aumento do número de despistes – directamente associados ao excesso de velocidade – é um sintoma evidente: entre Janeiro e Julho deste ano, segundo os dados mais recentes da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), a Polícia registou 5.615 despistes, mais 3% do que no mesmo período de 2013. E foi dentro das localidades que o cenário mais se agravou: aí registaram-se 3.470 despistes, mais 6% do que em 2013. E as consequências também foram piores: causaram 52 mortos (mais seis do que em 2013), 226 feridos graves (mais dez) e 3.865 leves (mais 175). O índice de gravidade também subiu, de 1,4 para 1,5.

“As autarquias e a Estradas de Portugal não têm dinheiro para fazer a reabilitação das infra-estruturas urbanas e continuamos a ter cidades perigosas”, acrescenta o dirigente, criticando a inércia das autoridades nesta área: “Não há política pública de segurança rodoviária em Portugal. A ANSR é um 'corpo morto', sem quadros suficientes, sem programa e sem incentivos políticos e financeiros. E continua a não haver, nem do Parlamento nem do poder executivo, qualquer sensibilidade para a importância de uma reflexão sobre o risco rodoviário”, nota Manuel João Ramos.

Questionada pelo SOL, a ANSR preferiu não adiantar razões para este agravamento, alegando que o ano ainda não terminou. “Não se afigura oportuno avançar com leituras de dados susceptíveis de sofrer ainda alterações”, diz fonte oficial, sublinhando que “o fenómeno da sinistralidade é extremamente complexo e para o qual concorre uma série de variáveis”.

'É imperioso controlar velocidade' nas localidades

José Trigoso, presidente da Prevenção Rodoviária Portuguesa, lembra, no entanto, que a redução da sinistralidade apresentou sempre “níveis muito diferentes” no que respeita às mortes, aos feridos ou aos acidentes com vítimas. Se “entre 1975 e 2013 os mortos reduziram cerca de 80%” – graças sobretudo a uma “melhoria extraordinária da segurança passiva dos veículos e dos níveis muito altos de utilização dos sistemas de retenção, que eram praticamente nulos em 1975” – , neste mesmo período “os feridos apenas baixaram cerca de 4% e os acidentes com vítimas cerca de 8%”.

E se dividirmos este espaço temporal em períodos de cinco anos, sublinha o especialista, verifica-se que a redução da sinistralidade por quantidade de combustível consumido foi maior entre 1975 e 1980 e entre 1995 e 2000. Em contrapartida, “de 2005 a 2013, só a taxa de mortalidade baixou, enquanto as de feridos e de acidentes com danos corporais estabilizou face ao volume de circulação”.

Ora, conclui Trigoso, “ao crescer o consumo de combustível em 2014 (a procura de gasóleo aumentou 1,5%), o que não acontecia desde 2004, não é de estranhar que o número de feridos e de acidentes apresente um pequeno aumento”. E isto, aponta, deve-se “fundamentalmente” à sinistralidade dentro das localidades, “cada vez mais significativa”.

De facto, entre Janeiro e Julho, as autoridades contavam 12.879 acidentes dentro das localidades, mais 2% do que no mesmo período de 2013. Para Trigoso,  é “absolutamente imperioso adoptar medidas de acalmia à rede viária dentro das localidades”, além do “controlo das velocidades aí praticadas”.

Mas as estatísticas revelam um dado curioso: nas auto-estradas, onde o tráfego cresceu 4% até Setembro deste ano, a sinistralidade está a aumentar desde o ano passado. Nos primeiros sete meses de 2014, todos os parâmetros se agravaram: 1.056 acidentes (mais 47), 27 mortos (mais 10) e 61 feridos graves (mais 10). Pelo contrário, nas estradas nacionais e nos IP, onde há mais desastres, estes diminuíram.

É nas auto-estradas, aliás, que o Governo irá instalar grande parte dos 30 radares fixos que integram um sistema a implementar no próximo ano. “Parte significativa da nossa sinistralidade resulta do excesso de velocidade. Apesar dos apelos sistemáticos, continuamos a verificar que os condutores correm riscos desnecessários”, corrobora o Coronel Barão Mendes, da Divisão de Trânsito e Segurança da GNR.

Ciclistas feridos aumentam

Carlos Barbosa, presidente do  Automóvel Club de Portugal (ACP), faz uma análise sistémica: “Há cartas em saldos sem qualquer fiscalização do Estado, em que os alunos não fazem o mais importante: aprender a conduzir. A caça à multa para efeitos de receita sobrepõe-se à prevenção e a verba do Fundo de Garantia Automóvel destinada a campanhas de sensibilização é sucessivamente utilizada para comprar pistolas, carros e outros géneros”. Em 2013, a ANSR lançou três campanhas (uma para peões, outra para motociclistas e outra sobre a sonolência) e este ano apenas uma, dirigida a ciclistas.

Neste campo, aliás, entre Janeiro e Julho, os acidentes que envolveram pelo menos um ciclista passaram de 839, em 2013, para 1.007 em 2014. E o número de ciclistas que ficaram feridos subiu consideravelmente: 73 feridos graves (mais 27) e 962 leves (mais 154).

Recorde-se que, com a última revisão do Código da Estrada, os ciclistas têm prioridade sempre que se apresentem pela direita e podem circular a par, entre outros direitos. No entanto, “o ambiente rodoviário continua a ser tão agreste como dantes, seja para ciclistas seja para peões”, avisa Manuel João Ramos, da ACAM: “Não faz sentido pôr ciclistas no meio de carros que circulam a 90 km/h”.

sonia.graca@sol.pt