Cuba livre?

A mudança do quadro político-diplomático das relações Estados Unidos-Cuba, além do natural simbolismo e sensacionalismo da surpresa, traz questões importantes e polémicas em termos da política interna norte-americana.

Era espelho disto a edição do fim-de-semana de 19-21 de Dezembro do Wall Street Journal.

O Journal nas suas páginas editoriais (onde colaborei nos anos 80, tempo da Guerra Fria), costumava ser um espelho da direita conservadora norte-americana. Agora mais 'equilibrado'- ou mais 'realista' – tem o cuidado de publicar, na mesma página e sobre o tema do fim do embargo a Cuba um artigo claramente contra – A Victory for Opression, do senador Marco Rubio, da Florida, e na mesma página, em baixo, um artigo a favor, de Douglas A. Irwin – Trade will lead to Freedom.

Os argumentos de Rubio, um cubano-americano de 43 anos e um dos possíveis candidatos republicanos à Casa Branca em 2016, assentam em que o reconhecimento por Obama, além de ser um coelho na cartola de um Presidente com poucos sucessos, é um prémio à tirania dos irmãos Castro; e abre um precedente de que um Estado pária que retenha reféns americanos acaba recompensado, pois Washington, para os resgatar, irá ceder em pontos importantes de política. A argumentação contrária de Douglas Irwin, um professor de Economia de Dartmouth, assenta na ideia de que o comércio livre é a chave de transformação das sociedades, mesmo ou sobretudo das sociedades fechadas, e que a reabertura do comércio com Cuba vai criar “nichos competitivos de poder e novos grupos de riqueza que desafiarão o Partido Comunista”. E que, além destes aspectos de mudança política, vai ajudar a economia norte-americana, nomeadamente as exportações agrícolas.

The National Interest, pela pena de Doug Bandow, que foi assessor especial de Ronald Reagan, considera que “normalizar as relações económicas e diplomáticas com Havana, deve ser visto como uma vitória, não para o Governo de Castro, mas para o povo de Cuba”, já que a liberdade irá, fatalmente, chegar ao país, só faltando saber quando e como.

O argumento principal de Obama foi que as sanções não tinham funcionado. Normalmente não funcionam. A Rússia bolchevique, a Itália fascista, a Espanha franquista, a Rodésia de Ian Smith e agora o Irão xiita e a Rússia de Putin, estiveram ou têm estado sob sanções. Que não mudaram a política; nem levaram à queda dos regimes.

Um dos raros casos apontados com bem sucedidos – as sanções euroamericanas à África do Sul do apartheid – é ambíguo. Podem ter ajudado à mudança, na medida em que incomodaram a classe empresarial, mas a mudança veio, essencialmente, do acordo interno negociado pelas lideranças comunitárias de cada parte, em vários anos de negociação interna directa.

De qualquer modo, até ao levantamento do embargo – na República norte-americana é o Congresso, maioritariamente republicano, quem o decide – falta ainda correr muito tempo e muita discussão. Que vão ser interessantes.