Como o cristal
Um dos mais merecidos Globos de Ouro foi entregue no domingo passado à série de televisão Transparent, uma comédia produzida pelos estúdios da Amazon. Infelizmente ainda não temos acesso legal e directo aos programas desta produtora, mas graças ao canal por cabo TV Séries podemos acompanhar a série, que começou há duas semanas. Transparent é sobre uma família peculiar da qual o pai septuagenário se destaca ao decidir assumir o seu prazer de se vestir de mulher, o primeiro passo para a transformação completa. O resto da família também é interessante e fico contente por não fazer ideia do que nos espera nos próximos episódios. A autora desta série é Jill Solloway, que passou por uma experiência parecida com o próprio pai. Este pormenor autobiográfico não belisca nada o talento da autora. Percebi entretanto que se trata de uma guionista conhecida entre nós. Escreveu vários episódios de Six Feet Under, United States of Tara, entre outros.
Tina e Amy
Mais uma vez, pela terceira e última, Tina Fey e Amy Poehler apresentaram a cerimónia dos Globos de Ouro. Hadley Freeman, no Guardian, chamou-lhe a primeira cerimónia feminista de atribuição de prémios de cinema e televisão e afirmou que Fey e Poehler têm a particularidade de serem amadas apesar de não serem meigas para os seus alvos. Dou razão à colunista do Guardian, não por causa da piada que envolve o currículo de Amal Clooney e o prémio atribuído ao marido, mas por uma brincadeira que consistiu em ambas dizerem as preferências masculinas. As piadas sob o tema 'who would you rather?' eram boas mas sobretudo reveladoras dos gostos diferentes para homens. Este jogo inocente entre duas amigas teve a graça de expor em público uma possibilidade pouco referida talvez por magoar egos masculinos pouco, digamos, sólidos: a de que as mulheres também podem preferir o 'Colin Farrell o dia todo' ou o 'Colin Firth por uma duração adequada de tempo'.
Os dias seguintes
Os dias que se seguiram aos ataques terroristas de 7 de Janeiro, em que vários cartoonistas do Charlie Hebdo foram mortos, trouxeram discussões neuróticas a respeito do sucedido. Primeiro foram os motivos para o ataque, ou seja, os cartoons que tinham 'instigado a fúria' dos fundamentalistas. Desde o 11 de Setembro que sabemos que o terrorismo não precisa de motivações especiais, além da vontade de aniquilar o próximo. E este próximo é na verdade qualquer pessoa, cartoonista, europeu, americano ou muçulmano que não pertença à al-Qaeda ou ao ISIS. A segunda discussão aconteceu sobre a expressão 'Je Suis Charlie' de unidade contra a barbárie e a favor da liberdade de expressão. Houve logo quem apontasse o dedo a quem se dizia Charlie e não era amigo da liberdade, apontando uma divisão entre 'verdadeiros' e 'falsos' Charlies. Como se querer participar fosse um crime. Como saberíamos da existência destes problemas se não vivêssemos em liberdade?
Prós e contras
Robin Givhan escreve no Washington Post sobre moda. Antes da cerimónia de entrega dos Globos de Ouro, o primeiro evento do ano em que se vêem actores e actrizes a 'desfilar' na passadeira vermelha, escreveu um artigo sobre as desvantagens da passadeira vermelha para os criadores de moda. Segundo Givhan, as estrelas de cinema precisam dos designers para causarem a melhor impressão, mas que o contrário não se verifica. Para os criadores de moda, a passadeira vermelha de um evento como este, por muito global e mediático que seja, fica resumido à oportunidade de vestir uma certa pessoa, com todo o gozo que os estilistas da Givenchy terão em imaginar um vestido para Julianne Moore (que este ano estava especialmente deslumbrante), só para dar um exemplo. Mas se é assim com os vestidos, o que dizer dos sapatos, que quase nunca se vêem, ou das jóias, cujos autores só há pouco começaram a ser mencionados? Agradeço aos estilistas pela generosidade.