A rapariga mais bonita da festa

Nasceu em 1851 e desde então ganhou 114 prémios Pulitzer, mais do que qualquer outro jornal norte-americano. A sua circulação impressa é estimada em perto de um milhão de exemplares por dia e o site é visto por 20 milhões de leitores todos os meses. Recentemente, o vetusto New York Times, que tem desde o…

A primeira foi o facto de Carlos Slim – segundo a revista Forbes o segundo homem mais rico do mundo (a seguir a Bill Gates) – se ter tornado o maior accionista individual do NYT ao ter comprado acções no valor de 100 milhões de dólares. Ao longo dos anos Slim já tinha entrado no capital da empresa, primeiro com um empréstimo de 250 milhões de dólares, em 2009, e depois com mais investimentos dispersos. No entanto, as acções de Slim são de classe A, não lhe permitem tomar decisões estruturais sobre a empresa, nas mãos da mesma família há cinco gerações.

Mas o que tem agitado a redacção do diário instalado no belo edifício de Renzo Piano na Oitava Avenida, em Manhattan, são sobretudo questões editoriais. A ‘velha senhora cinzenta’, como é conhecido o jornal – pelo facto de ser circunspecto e ter desde o início uma mancha de texto muito maior que a de imagem –, deixou-se apanhar numa controvérsia no ‘caso Charlie Hebdo’.

O actual director, Dean Baquet, tem sido alvo de críticas por ter decidido não publicar qualquer cartoon do semanário francês para ilustrar a cobertura do massacre à equipa do Charlie Hebdo. E explicou que o fez porque, em última análise, considerou sobretudo «a sensibilidade dos leitores do Times e especialmente a dos leitores muçulmanos». Acrescentou ainda que o NYT tem um standard «que tem sido útil: que existe uma diferença entre insulto gratuito e sátira». E defendeu que a maioria dos cartoons do Charlie Hebdo são «insultos gratuitos».

Dean Baquet explicou o processo de tomada de decisão. Diz ter consultado os editores mais seniores da casa e alguns dos responsáveis pelas 25 delegações no estrangeiro. Primeiro pensou não imprimir os cartoons por receio de pôr em risco os jornalistas e funcionários. Ao longo do dia mudou duas vezes de opinião, até concluir que teria de tomar a decisão sozinho. 

As redes sociais caíram-lhe em cima e ele ripostou com ainda maior veemência. Chamou ‘parvalhão’ a um professor de jornalismo de uma universidade da Califórnia que tinha considerado no Facebook que a decisão do NYT tinha sido cobarde. E fê-lo na própria página deste professor, que achou inusitado que o director de uma tão importante publicação se dedicasse a estas tarefas comezinhas.

Porém, não foi só o NYT que decidiu não publicar os cartoons. Nos EUA, o Washington Post, a agência Associated Press e a CNN decidiram o mesmo, tal como o Guardian, em Inglaterra.

Mas o caso não estava encerrado. No passado domingo, o jornal publicou um artigo de opinião de Marine Le Pen, a líder do partido de extrema direita francês Frente Nacional, em que ela defendia uma política de imigração restritiva e a retirada da cidadania francesa aos jihadistas. As críticas por dar abrigo às teses da extrema direita não se fizeram esperar.

Uma dinastia, um jornal

Fundado em 1851 pelo político e jornalista Henry Jarvis Raymond, o New York Times foi comprado em 1896 por Adolph Ochs, o editor de um jornal do Tennessee, o Chattanooga Times. No ano seguinte, Ochs encontrou o slogan (ainda no topo da página) que definia o lugar do seu jornal entre a concorrência sensacionalista: ‘All The News That’s Fit To Print’, ou seja, todas as notícias que são dignas de ser publicadas – e não mais que isso.

Ainda hoje o NYT mantém-se na mesma companhia fundada por Ochs, a The New York Times Company, e tem a dirigi-lo, como publisher, Arthur Ochs Sulzberger, Jr., descendente em quinto grau do editor do Chattanooga Times. Os Ochs-Sulzberger constituem uma das dinastias com mais longevidade na imprensa norte-americana.

O local da quarta morada do diário, em 1904, Longacre Square, foi mais tarde rebaptizado Times Square em honra do jornal e continua a ser um dos sítios emblemáticos para os nova-iorquinos, sobretudo na passagem de ano. O edifício, conhecido como The Zipper, pertence agora à agência noticiosa Reuters.

Mas nem tudo é polido e bonito como o belo arranha-céus onde se alojam os mais de mil jornalistas a trabalhar na sede do NYT. Ao longo da sua história, por várias vezes, o jornal que mais prémios de excelência ganhou pelas suas principais reportagens foi acusado de recuar perante evidências e de ceder ao preconceito.

No número de comemoração dos 150 anos, por exemplo, um antigo director do jornal escreveu que durante a II Guerra o jornal minimizou o genocídio de judeus. Um correspondente durante a guerra dos Balcãs escreveu um livro a contar que se tinha despedido do jornal por causa da visão anti-sérvia que os editores queriam fazer passar, mesmo quando havia factos em sentido contrário. Mais recentemente, foi revelado que o jornal recusou uma história em 2004 sobre a vigilância sem mandato que a National Security Agency (NSA) levava a cabo, com conhecimento da administração Bush e ao abrigo de um clima de pânico instaurado pelo 11 de Setembro.

A primeira mulher despedida

Em Setembro de 2011, ao fim de 160 anos de existência, Jill Abramson, com 59 anos, tornou-se a primeira mulher a dirigir o New York Times, um jornal que ela dizia «ser sempre a rapariga mais bonita da festa», dada a sua reputação. Sob o seu comando – disse ao jornalista da Newsweek que fez capa com ela na edição de 31 de Julho de 2013 – Abramson queria que o jornal se tornasse uma organização internacional imprescindível, presente nas várias plataformas e que se destacasse por uma escrita vívida e jornalismo de investigação.

Em Maio do ano passado, Jill deixou o lugar num processo nunca completamente esclarecido. Existem duas versões: a de que terá descoberto que o seu salário era inferior ao do director (homem) precedente e a de que, dado o seu feitio tempestuoso, era incapaz de dirigir a redacção.

Com todas as críticas e turbulências, o NYT continua a ser o Olimpo para qualquer jornalista novato, como explica um ursinho de animação que quer ser jornalista do New York Times num vídeo que se tornou viral. A personagem resume o prestígio do diário numa expressão lapidar: é ali que se faz o ‘jornalismo importante’. 

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