Ridículos e perigosos

O escritor Paul Berman declarou que a capa do Charlie «foi o maior acontecimento jornalístico desde o ‘J’acuse’ de Zola. E o mais corajoso. Zola arriscava a prisão, a perseguição, mas não a morte». Berman  afirma que o desenho é «genial» e que a legenda «está tudo perdoado» é intrigante. Quem perdoa quem? O que…

Não voto

No programa Fora da Caixa, da Rádio Renascença, Pedro Santana Lopes, que tem surgido como possível candidato às eleições para a Presidência da República, declarou que: «Quem é católico e vê um cartoon assim, sente-se atingido». A caricatura de que se falava era a célebre de João Paulo II com um preservativo no nariz. Lembro que nem todos os católicos se sentem ofendidos com bonecos e que ninguém perde a dignidade por ser ridicularizado. Sobre a possibilidade de reagir, Santana Lopes afirmou: «Não há condenações porque os tribunais e a sociedade em geral dão cada vez mais valor à liberdade de expressão, de pensamento, de opinião, mesmo prejudicando o respeito que é devido muitas vezes ao bom nome, à dignidade da pessoa humana, aos valores das suas crenças e das suas convicções». O conflito e até a mentira fazem parte da vida em democracia. Se Santana não está preparado para lidar com a liberdade, melhor fará em candidatar-se à presidência da ERC.

Mulheres ao poder

Na semana passada, vi no SOL uma fotografia interessante da Ministra da Administração Interna, na secção Cocktail. Nela, Anabela Rodrigues passava revista a uma formação de bombeiros em Torres Vedras. A imagem mostrava o seu perfil elegante, cabelo liso e mãos delicadas, de aspecto frágil e feminino, apesar da postura firme e concentrada. Olhei para a imagem com um estranho orgulho. É bom ver mulheres a assumir cargos tradicionalmente masculinos. Dá a ideia de que tudo mudou, o que pode bastar para o início real de uma mudança. Às vezes só é preciso gostar de ver para querermos continuar a ver. Neste caso, mulheres na liderança. Anabela Rodrigues tem quanto a mim uma vantagem: sorri pouco. É séria ou não quer agradar? Qualquer das hipóteses é bem-vinda e representa um corte com preconceitos a respeito de mulheres em cargos de poder. Ainda é cedo para sabermos se gosta da política como Maria Luís Albuquerque, mas a sua chegada é bem-vinda.

Luto

A poucos dias do início do ano temos a sensação de terem passado dois meses. Concluímos que o ataque terrorista em França é um dos responsáveis pelo tempo que acelerou sem nos apercebermos disso. 'Foi o Charlie', dizemos com derrota, sem no entanto percebermos que sentimento é esse. Não me interessa mentir neste caso mesmo que possa parecer ofensiva. É a ideia assustadora de estar à mercê dos eventos misturada com o facto de certas pessoas executadas numa redacção não serem milhares de anónimos em arranha-céus ou na África Central. O sofrimento não é o mesmo quando sabemos quem são, quando nos habituámos durante anos a associar um nome ao talento, que torna essa pessoa um bocadinho mais reconhecível, mais rara, no melhor dos sentidos. Não estou a falar da vida humana e do seu valor sagrado. Estou a falar da gestão saudável do sofrimento. O que seria de nós se sofrêssemos por toda a gente? Estou só a falar de amor, selectivo e concentrado.

Velhos são os trapos

Lembrei-me há dias do título de uma coluna de Vasco Pulido Valente, 'O mundo está perigoso'. Continua perigoso e além disso tecnologicamente inseguro. Há notícias de fotos íntimas roubadas da Cloud e de telefones e computadores fáceis de invadir – para especialistas, claro. Quando o carro não funciona é mais comum precisarmos de um informático do que de um mecânico. É assim com tudo o que temos de moderno. Nos países mais tecnologicamente dependentes está a haver um forte regresso ao passado. Em vez da Cloud já se pode contar com as novas polaróides que fazem o mesmo que faziam, mas melhor. Em vez dos smartphones onde guardamos as nossas vidas, nada melhor do que um telemóvel que só funciona para fazer chamadas. Para não roubarem os nossos textos confessionais, uma máquina de escrever. Em vez dos e-books, temos livros impressos em papel para ler em bibliotecas e em vez de CD, teremos sempre o vinil. Sim, temos alternativas e não estamos sós.