Acontece que o mundo deu muitas voltas. Cada ideia de hoje não é a de amanhã, cada debate de ontem segue o caminho da descompostura. A política, irmã da comunicação, parece não resistir ao dia, à decomposição fina de cada proposta fora de tempo.
É por isso que os partidos, e principalmente os seus dirigentes, se estão a consagrar em cautela, a construir programas que garantam execução, eliminando o velho mal das promessas não cumpridas.
A pergunta que se segue é intuitiva: se não nos dizem ao que virão, como decidir? A resposta é, apesar de tudo, óbvia: temos que decidir com um reparo na exequibilidade dos projectos e uma atenção redobrada ao percurso de quem tem a responsabilidade de ser a força motriz. Em suma, temos que aplicar, cada vez mais, as regras da prudência e as proposições das grandes organizações à governação dos países, sem alienarmos os fundamentos ideológicos.
Vem isto a propósito de coisas simples que António Costa ainda não trouxe para o debate político, mas que serão centrais na sua base de argumentos para o Outono – O que fez? Qual o seu racional de governação? O que pode apresentar para nos convencer sobre o futuro?
Façamos uma análise fina sobre as implicações centrais ao investimento privado.
Quando questionamos um investidor que queira criar uma empresa, encontramos três razões que levam à perda de paciência.
A primeira é a burocracia. O que nos vão dizendo é que em Portugal não há um só projecto que demore menos de um ano a ter todas as licenças e autorizações. Vejamos o que fez Costa – em Lisboa, há a externalização (com responsabilidade pelos projectos) da verificação legal da conformidade técnica; há licenciamento zero para a maior parte das actividades económicas; há 'linha verde' para as iniciativas que sejam compatíveis com os instrumentos de planeamento.
A segunda razão é o financiamento e o impacto fiscal. Como se sabe, existem na capital linhas contratadas de crédito disponível por entidades financeiras; os impostos municipais são, quando comparados com outros municípios metropolitanos, mais baixos; e as taxas consagram uma ponderação que alivia os novos implicadores de emprego.
Há, ainda, uma terceira e grata razão, a acomodação da imaginação. Se há município que dispõe de uma capaz e agressiva forma de captar ideias, de as pôr a dar dinheiro, então esse município é Lisboa.
Olhadas algumas razões, descobrimos a falta de uma outra que é central – o desempenho do Estado na prontidão dos pagamentos. Os governantes sabem que as boas contas públicas servem de procedimento mimético para a restante economia. Ora, em Lisboa, negou-se, nos anos que se seguiram a 2007, aquela referência maldosa que diz que os socialistas são gente de más contas.
Olhemos para os relatórios. Em 2006, a dívida a fornecedores era de 450 milhões de euros; em 2014, essa dívida é quase inexistente, ficando em cerca de 6 milhões de euros.
Mas não é só a dívida a fornecedores que conta. Podemos não dever nada a ninguém e também não concretizarmos o que quer que seja. Ora, em Lisboa, certificamos um esforço de investimento que se situa sempre a um nível superior à média de todos os sectores públicos nos últimos cinco anos. Mas há mais: os prazos de pagamento, que determinam a saúde de uma entidade, que garantem preços de fornecimento baixos e que fazem dinamizar a economia local, passaram dos 324 dias em 2006 para 7 dias em 2014.
Governar é, em primeiro lugar, consagrar um regime de boas contas, é regressar ao tempo em que um aperto de mão selava um acordo fiável. Em Lisboa, ele existe. No país, terá que passar a existir, com uma liderança que deu provas.
*Ex-Secretário de Estado da Administração Interna