Para esta situação contribuem muitos gurus e think tanks, cuja reflexão se concentra no cultivo dos ícones instalados, da filosofia dominante, das instituições do sistema e na consequente recusa de qualquer pensamento alternativo. No fundo, no coração de muitos destes pacatos mandarins, dorme um sonho platónico de ser conselheiro e ter acesso aos ouvidos do príncipe. Do príncipe que às vezes é o povo – ou, pior, a chamada 'opinião pública'.
Daqui vêm também os maus usos da História, isto é, os paralelos epocais em que, por falta de conhecimento ou por interesse ideológico, se aproximam fenómenos diferentes, quer na substância, quer nas suas consequências, quer sobretudo nas lições que deles se querem extrair.
Um exemplo é a tentativa, a partir do fim da Guerra Fria e neste quarto de século subsequente, de apresentar, em várias modalidades e embalagens, uma teoria de 'fim da História', em que o trágico e o perigoso dessa História desapareceram.
Recuperando temas caros ao iluminismo europeu e ao marxismo, mas preenchendo-os com os modelos dos vencedores anglo-saxónicos da Guerra Fria, tem-se pretendido implantar como dogma a noção de que a vitória das democracias nos três conflitos mundiais do século XX – Grande Guerra, II Guerra Mundial e Guerra Fria – implantou para sempre e em toda a parte esses modelos. E que tudo o que se desvie desse modelo vencedor é uma anomalia que deve ser corrigida, ou um crime que deve ser punido.
Ora esse mundo das democracias constitucionais de mercado está longe – e cada vez mais longe – de ser o único modelo. Grandes potências como a China e a Rússia estão fora dos seus parâmetros culturais e políticos, assim como muitos países de África e uma série de Estados a que Walter Russell Mead e Nicholas Gallagher chamam agora 'Estados Críticos': estes vão desde o novo Estado Islâmico, proclamado herdeiro e réplica do califado aos problemáticos europeus como a Ucrânia e a Grécia, à Venezuela de Chávez e à Nigéria, Líbia e Coreia do Norte. São Estados cuja condição presente nos seus riscos de explosão e implosão pode afectar regiões inteiras e a própria ordem do mundo.
E ainda mais complexos e imprevisíveis são os protagonistas não estatais – dos piratas da Somália ou do Golfo da Guiné aos movimentos político-militares armados, como o Hezbollah, à galáxia militante e niilista que se abriga sob a designação al-Qaeda e algumas sucursais do Estado Islâmico.
Será que uma ordem internacional assente nos parâmetros ultrapassados do 'fim da História' e no optimismo político-económico dele recorrente, está preparada para lidar com estas ameaças? Não parece.