A fada ministra

«Todos nós que andamos na rua, sentimos que há mais confiança, sentimos que as pessoas estão mais leves, sentimos que há mais consumo, sentimos que há mais carros na estrada», Maria Luís Albuquerque, in SOL online, edição de 29/01/2015.

Na semana passada falei do sentido de humor dos portugueses; esta semana, vejo-me forçada a tornar a fazê-lo. Esta frase que cito, só pode fazer parte da vida fantástica que se vive no Universo Encantado da Assembleia Mágica, que fica ali naquilo que conhecemos como São Bento, e para onde se entra por uma entrada que, no modelo realista, assume a forma da entrada de uma garagem; tipo a entrada do Harry Potter lá na estação dos comboios, sabem?

Para a ministra das Finanças, que na Assembleia Mágica é uma espécie de Fada dos Dentes sovina, que não só leva os dentes como nunca deixa dinheiro, está tudo bem. Porque nos contos de fadas está sempre tudo bem e acaba sempre tudo bem e toda a gente vive feliz para sempre. 

«Todos nós que andamos na rua» – eu ando imenso na rua e nunca me cruzei com a Fada Ministra, mas se calhar temos horários diferentes, ou então sou eu que ando muito de autocarro e a Fada anda de Abóbora-Charrete, não sei… Mas de facto nunca nos cruzámos, e como canta o Jorge Palma, 'na terra dos sonhos, toda a gente trata a gente toda por igual', daí eu ter-me iludido um bocado com a simpatia de ver uma mulher assumir uma pasta desta envergadura no XIX Governo Constitucional… Não sei… De qualquer forma, achava que já nos devíamos ter cruzado neste ambiente de optimismo que paira no ar, pronto, como no Santo António, só que não tenho a certeza se nos contos há santos…

«Sentimos que há mais confiança»: é um facto. Agora que já ninguém tem nada e que até o Robin dos Bosques está no desemprego, depois dos Peter Pans terem caído na real e/ou emigrado, é fácil estar/ser confiante: não temos mais nada para roubar, pelo que, lá está, na terra dos sonhos, toda a gente trata a gente toda por igual e já nem vale a pena pôr trancas à porta. 

«Sentimos que as pessoas estão mais leves», outro trecho muito neo-realista, altamente metafórico e muito poético, uma passagem lindíssima. A escassez é tanta que uma pessoa só a pão e água acaba por perder peso e ficar, naturalmente, mais leve.

Pronto, depois há aqui uma passagem em que me perdi, esta de haver «mais consumo», porque não tenho notado e os comércios que têm fechado também me dão essa ideia, mas isto pode ser um defeito meu, por estar presa a esta representação realista do modelo de mundo à minha volta, mas estou completamente disponível para que me descodifiquem esta parte. Pensando bem, o 'consumo' pode ser de antidepressivos, já que o de substâncias estupefacientes está do lado de lá do espelho, que é como quem diz do lado da economia paralela, pelo que, a ser, o 'consumo' a que a Fada Ministra se refere só pode ser o dos antidepressivos.

Por último, gosto mesmo muito da passagem em que «sentimos que há mais carros na estrada». Confesso que nunca senti carros na estrada. Nunca. Mas é uma sensação que também não quero sentir. Nunca fui atropelada – Graças a Deus – mas de facto, não, nunca senti. Já apanhei foi muito trânsito e isso dá a ideia de que há, efectivamente, mais carros, porque acabam por avultar mais na nossa paisagem visual, mas não sei até que ponto é que isto é uma coisa de optimismo. Eu até era pessoa para achar que esta coisa dos 'mais carros na estrada' se deve ao que se fez ao trânsito na cidade de Lisboa, onde tem lugar esta acção fantabulástica, mas não garanto. Também acredito que se vejam mais carros porque há muito menos transportes, e as pessoas que ainda trabalham no modelo realista paralelo ao Universo Encantado da Assembleia Mágica têm a necessidade de se deslocar até aos locais onde ganham o pão que depois o Pedro Coração de Coelho dá autorização à Fada Ministra para lhes levar.

Não sei se alguém se irá lembrar da Fada Ministra na próxima administração, como tanto teme, mas espero ardentemente que, se isso acontecer, a Fada Ministra não fique enfurecida e faça como a da Bela Adormecida, porque com tanta fábrica abandonada no Norte, não nos deseje a sorte de picar o dedo no fuso de uma roca para ficarmos a ver passar navios por mais cem anos. Só isso.
Ah! – E viveram felizes para sempre. 

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