Em 2014, os bancos recusaram mais de 13,3 milhões de operações por falta de provisão, em cheques e débitos directos. Ficaram por pagar quase 2,6 mil milhões de euros, de acordo com as estatísticas do Banco de Portugal (BdP).
Em causa está a incapacidade das famílias em cumprir o pagamento de compras ou serviços com carácter duradouro ou periódico, como por exemplo o fornecimento de electricidade, gás, água, telefone, seguros, renda de casa ou prestações de crédito.
Os débitos directos são hoje em dia o meio de pagamento mais importante, com uma adesão crescente nos últimos anos, e o incumprimento está a aumentar neste instrumento. Em 2014, o BdP contabilizou mais de 164 milhões de instruções de débitos directos. Destas, cerca de 8% foram rejeitadas devido à falta de dinheiro na conta dos portugueses que entraram em incumprimento, ainda que temporário.
A recusa de débitos directos atingiu 2.160 milhões de euros, um crescimento de 2,2% ou 48,5 milhões face ao ano anterior. Contas feitas, as famílias não conseguiram pagar mais de 8,5 milhões por cada útil de 2014.
Nos débitos directos, as famílias são avisadas com antecedência pelos credores da data e do valor da cobrança, mas as restrições orçamentais impedem o aprovisionamento da conta.
«A falta de provisão na conta no momento da cobrança determina o incumprimento da prestação (falta de pagamento) que o devedor estava obrigado a efectuar ao credor, com as consequências previstas que, aquando da assinatura do contrato, tiverem sido estipuladas entre as partes», lê-se num caderno do BdP dedicado ao tema.
Famílias sobreendividadas
O valor médio por pagamento rejeitado aumentou de 147,25 euros em 2013 para 164 euros em 2014. Embora a falta de liquidez nas contas lidere os motivos de rejeição, as recusas do débito pelo banco do devedor ou pelo cliente, a impossibilidade de movimentar a conta, a violação dos limites de autorização ou a apresentação de dados inválidos do devedor também aumentaram no último ano.
Os dados da Central de Responsabilidades de Crédito do BdP mostram que as dificuldades das famílias não se restringem aos créditos à habitação – por norma, o último encargo que as famílias deixam de pagar. Em Setembro, 123 mil famílias entraram em incumprimento nos créditos de valor inferior a 1.000 euros.
Só em 2014 o Gabinete de Apoio ao Sobreendividado da DECO recebeu 29 mil pedidos de ajuda. A deterioração das condições laborais, como cortes salariais, o aumento da carga fiscal e o desemprego são as principais causas do endividamento excessivo.
Menos cheques 'carecas'
Em sentido contrário no incumprimento estão os chamados cheques 'carecas'. A banca recusou 152 mil por falta de provisão em 2014, menos 32% face ao ano anterior. Mas neste caso a quebra registada segue a tendência dos últimos seis anos e justifica-se com a menor utilização do cheque como meio de pagamento.
Os instrumentos electrónicos como os débitos directos são hoje preponderantes e há uma maior consciência dos riscos da utilização indevida dos cheques – como o crime de emissão de cheque sem provisão e a introdução do nome do utilizador na lista negra.
A título de comparação, em 2011, ano em que Portugal recorreu a ajuda externa, o valor dos cheques sem provisão ascendia a quase 1.665 milhões de euros. Um montante que recuou para menos de um terço em três anos.
Ainda assim, foram emitidos cheques 'carecas' no valor de 433,8 milhões de euros em 2014 – mais de 1,7 milhões de euros por cada dia útil.
De acordo com os dados do BdP, mais de 30 mil entidades – particulares e empresas – tinham o seu nome inscrito na lista de utilizadores de cheques que oferecem riscos. Cerca de 6.860 empresas e 23.530 particulares fizeram um uso indevido do cheque.
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