Esta inglesa de 36 anos e dona de uma beleza estonteante começou a actuar ainda estava na Universidade de Oxford a tirar o curso de Literatura Inglesa – e onde foi uma das melhores alunas. Filha de dois cantores líricos, Rosamund pagou as propinas com papéis em telefilmes e telenovelas, entre as quais a mini-série “Love in a Cold Climate” (2001).
A sua primeira oportunidade no grande ecrã surgiu com o filme 007 – Morre Noutro Dia (2002) como Miranda Frost, uma das Bond Girls de Pierce Brosnan. Tinha apenas 21 anos. Um papel que actriz diz não ter ajudado na sua carreira: “Cimentou a imagem de uma pessoa snob, inglesa, fria e pouco amigável”, afirmou Rosamund em entrevista à revista norte-americana Variety. “As pessoas acham que mentia quanto à minha idade. Nunca tive a oportunidade de interpretar o papel de personagens jovens”.
A partir desta altura, a maioria das suas aparições no grande ecrã foram em papéis secundários. Entre os quais, no filme de Joe Wright ‘Orgulho e Preconceito’ (2005), como a mais velha das irmãs Bennet, a doce Jane; ao lado de Johnny Depp em ‘O Libertino’ (2004), com Anthony Hopkins e Ryan Gosling no thriller Ruptura (2007) e ‘A Minha Versão do Amor’ (2010) com Paul Giamatti.
Pike ainda participou em algumas peças de teatro como “Hitchcock Blonde” e “Hedda Gabler”
Mas só ao fim de 25 filmes, seis produções para televisão e seis peças de teatro é que temos a oportunidade de conhecer a verdadeira Rosamund Pike. A verdade é que nenhum papel que interpretou se compara (obviamente) com a psicopata Amy Dunne no filme “Em Parte Incerta” – “Gone Girl”, no título original – (2014), realizado por David Fincher e baseado no livro de Gillian Flynn.
O filme – uma das grandes ausências na lista dos nomeados para os Óscares – começa com o desaparecimento da jovem de 30 anos no quinto aniversário de casamento. A casa onde moram, e onde Amy foi vista pela última vez, apresentava sinais de luta e o principal suspeito, inicialmente do seu desaparecimento e depois do seu assassinato, é o seu marido, Nick Dunne (Ben Affleck).
Amy e o marido Nick mudam-se de Manhattan para a terra natal deste depois de ambos terem perdido o emprego devido à crise, e porque a mãe de Nick sofria de um cancro terminal. Mas esta mudança só serviu para tornar um casal que tudo parecia ter para dar certo em duas pessoas distantes e sem o menor interesse uma pela outra.
Nick, que partilha a gestão de um bar com a irmã, envolve-se com uma rapariga mais nova e isso foi o suficiente para Amy entrar numa espiral de destruição com um único objectivo: fazer o marido pagar por todo o sofrimento que lhe causou.
Amy é uma mulher que cresceu numa família de classe alta e que vive assombrada por uma personagem e protagonista de uma série de livros infantis escritos pelos pais baseados na filha e que lhe garantiram uma fortuna. Com o título ‘Amazing Amy’ (‘A Fantástica Amy’, numa tradução livre), descrevem uma infância de uma menina extraordinária e que não podia estar mais longe da verdadeira Amy e da infância que teve.
A escolha de Rosamund para este papel deve-se exclusivamente a David Fincher, que viu na actriz um “je ne sais quoi”. Também pesou na decisão o facto de a actriz ser filha única – como a personagem – mas, acima de tudo, o facto de não ser muito conhecida no universo cinematográfico americano. Até porque teve várias candidatas de peso para o papel, incluindo a produtora do filme e também actriz Reese Witherspoon.
Pike estava em Glasgow em filmagens quando soube que o realizador queria falar com ela por Skype. Após três longas chamadas, recorda, disse-lhe: “Já percebi que sabe que eu posso ser essa personagem”.
A certeza de Fincher ficou selada depois de um jantar de quatro horas que “começou com água e acabou com whiskey” entre a actriz e o realizador. “O papel é muito difícil e a Rosamund nasceu para interpretá-lo”, afirmou Fincher.
O realizador deu-lhe uma referência: Carolyn Bessette-Kennedy, a mulher do único filho varão do antigo presidente John F. Kennedy, que morreu tragicamente com o marido num acidente de helicóptero em 1999. Uma mulher que Rosamund descreve como tendo “a sua própria linguagem corporal e com uma sedução auto-protectora, usando a cara para baixo e com o cabelo a esconder-lhe um pouco a cara”. Foi isso que tentou (e conseguiu brilhantemente) trazer para Amy.
Mas tudo isto revelou-se “um parto” difícil para actriz. Na véspera de começar as filmagens, ficou doente com 39.º C de febre e vómitos. Uma insegurança que levou a pedir ajuda a um amigo e colega experiente nestas ocasiões: Tom Cruise, com quem contracenou em ‘Jack Reacher’ (2012). Palavras que não podiam ter sido mais encorajadoras: “Confia em ti. Estás nas mãos de um óptimo realizador. Estás pronta”, relata na Variety.
A preparação para o filme foi quase tão louca quanto a narrativa: os actores foram “sujeitos” a dez semanas de pré-produção para 106 dias de filmagens entre o Misouri e Los Angeles. Tal como em todos os filmes de Fincher, os actores tiveram ainda de repetir vezes e vezes sem conta a mesma cena até ela sair ‘perfeita’.
O filme obrigou-a ainda a uma mudança física. Teve ganhar e perder seis quilos ao longo dos três meses e pouco de filmagens. Os seus treinos diários incluíam quatro horas com uma campeã de boxe, corridas de oito quilómetros em 45 minutos e levantamento de pesos. Isto sem falar no sotaque inglês que desapareceu por completo para dar lugar a um de americana nativa.
(AVISO: O resto deste artigo contém ‘spoilers’. Se ainda não viu o filme, guarde os próximos parágrafos para depois.)
Quando nós achamos que Amy não podia ir mais longe, somos confrontados com a cena em que a mulher usa uma garrafa para simular feridas de violação. Isto sem falar do ‘murro final’ com o degolamento do amante Desi Collings.
Esta cena foi outro “drama”. Foi filmada 36 vezes, ou seja, de cada vez que era feita, tudo voltava à estaca zero: 36 banhos para cada actor, 36 lençóis e 36 roupas interiores. O total de sangue? 1.700 litros.
Os actores estiveram duas horas a treinar a cena em roupa interior, numa divisão à prova de som, a simular o acto sexual durante horas.
Quem também a enche de elogios é Gillian Flynn. “A Amy tem várias facetas e a Rosamund conseguiu mostrar uma emoção atrás da outra. É um talento entusiasmante e assustador”.
E têm toda a razão. Amy Dunne é capaz de ser das mais completas e mais assustadoras psicopatas que já passaram pelos filmes norte-americanos graças a Rosamund Pike. O seu olhar gelado, sem sentimentos, mas como se estivesse a analisar todos os centímetros à sua volta. Uma linguagem corporal firme de uma mulher educada e chique mas, ao mesmo tempo sem passar qualquer emoção. É isto e muito mais o tal “je en sais quoi” descrito por Fincher que tornou Amy (e Rosamund) perfeita. Chega até ser assustador uma mulher dizer que adorou o filme ou a personagem.
Fica-se com um sentimento ambíguo em relação a esta personagem. Sabemos que ela deve ser castigada por tudo aquilo que fez ao marido mas por outro lado, não queremos que ela seja “apanhada” nem que nada de mal lhe aconteça como, por exemplo, quando ela é assaltada no motel – nem que seja para que o reboliço de emoções que estamos a sentir ao longo do filme acabe.
No final do filme, acaba-se com um sorriso na cara que nos parece macabro, tendo em conta a violência das cenas. Não só pela genialidade com a personagem dá a volta a toda a situação mas também porque não conseguimos deixar de gostar (sim, de um modo sinistro) de Amy. E isto tudo só é possível graças à interpretação brilhante de Rosamund que lhe valeu uma nomeação para os Óscares.
Mas por mais elogios que sejam feitas a Rosamund Pike – e todos mais do que merecidos – a mais provável vencedora é Julianne Moore, pela sua interpretação em ‘O Meu Nome é Alice’. Não que o trabalho realizado pela inglesa não seja mais do que suficiente para receber o galardão mas não dar o Óscar a Julianne seria injusto tendo em conta os mais de 30 anos de carreira, repletos de fantásticas interpretações.
Rosamund terá sem dúvida uma longa carreira pela frente e, com certeza, com papéis merecedores da maior distinção do cinema norte-americano. É uma questão de esperar porque com certeza muito ainda está para vir.
rita.porto@sol.pt