Óscares 2015. Julianne, a Grande

Numa Hollywood que impõe às mulheres um pesado e castrador culto da juventude, Julianne Moore continua a brilhar aos 54 anos. E nada indica que fique por aqui uma das mais sérias candidatas ao Óscar de Melhor Actriz.

Filha de um juiz militar norte-americano e de uma escocesa, Julianne Moore, que nasceu na histórica base de Fort Bragg, horrorizou os pais quando anunciou que queria seguir uma carreira como actriz e não como médica, como planeara. E ainda bem que levou a sua avante. Depois de um curso de teatro pela Universidade de Boston, começou imediatamente a participar em telenovelas até ter sido descoberta pelo realizador Robert Altman, que a escolheu para ‘Short Cuts – Os Americanos’ (1993). A partir daí, não mais parou de somar papéis e o estrelato acabou por se tornar inevitável.

Em cerca de 30 anos de carreira, Julianne já participou nos mais variados projectos – desde blockbusters comerciais a excentricidades indie. ‘Foi’ actriz pornográfica em ‘Jogos de Prazer’ (1997), representou uma detective obcecada por um serial killer em ‘Hannibal’ (2001); foi a amante de Ralph Fiennes em ‘O Fim da Aventura’ (1999); em ‘As Horas’ (2002) interpretou uma mãe em desespero; foi a amiga depressiva de Colin Firth no primeiro filme do estilista Tom Ford ‘Um Homem Singular’ (2009); transformou-se na “mulher-salvação” de um viciado em pornografia na comédia de Joseph Gordon-Levitt ‘Don Jon’ (2013) e fez de companheira de Annette Bening no aclamado filme independente ‘Os Miúdos Estão Bem’ (2010).

No seu currículo conta ainda com interpretações em filmes como “Longe do Paraíso” (2002), “O Grande Lebowski” dos irmãos Cohen (1998), “Magnolia” (1999), a adaptação cinematográfica da obra de José Saramago “Ensaio sobre a Cegueira” (2008), do realizador brasileiro Fernando Meirelles, ou ainda em “Mapa para as Estrelas” de David Cronenberg (2014). Entre tantos outros.

Mas Moore não se limitou ao grande ecrã. Podemos apreciar o seu trabalho em aclamadas séries e filmes do pequeno ecrã como “30 Rock”, ao lado da dupla maravilha Tina Fey e Alec Baldwin, ou na sua caracterização da controversa (e ultraconservadora) política norte-americana Sarah Palin no telefilme “Mudança de Jogo”, da HBO.

Este ano, as luzes da ribalta estão sobre esta ruiva sardenta graças à sua memorável interpretação no filme ‘O Meu Nome é Alice”, onde nos dá a conhecer Alice Howland, uma professora universitária de linguística (ironia das ironias) e reconhecida académica, mãe de três filhos com um casamento longo e estável. É-lhe diagnosticada uma forma precoce da doença de Alzheimer e, aos poucos, vemos a personagem perder tudo o que a rodeia, desde a sua memória, a sua carreira, a sua família, até se perder de si mesma.

Um filme simples e sem pretensões, realizado por Richard Glatzer e Wash Westmoreland, baseado numa obra literária de Lisa Genova, onde as câmaras acompanham a evolução de uma mulher confiante, bonita e sofisticada que se perde quando vai correr, que deixa de poder estar sozinha em casa e que chega mesmo a não reconhecer a própria filha.  

Uma longa-metragem que visita alguns lugares comuns mas tudo sem entrar em exageros e sem artifícios. Por exemplo, assistimos à falta de capacidade do marido (Alec Baldwin), inicialmente cooperante, em lidar com a desgastante degradação do estado da mulher. Ou ainda à forma como a sua filha mais nova Lydia (Kristen Stewart), com quem Alice tinha pior relação, se torna na única disposta a fazer uma pausa na sua vida para cuidar da mãe.

Julianne dá tudo a esta personagem, completando-a com todas as dimensões necessárias para que o espectador se consiga relacionar com ela, quer tenha ou não conhecimento da realidade da vida de uma pessoa com Alzheimer. Como, por exemplo, na desesperante cena em que Alice tenta encontrar a casa de banho numa casa que é sua e que conheceria de cor não fosse a sua doença. Fica-se sem fôlego com o pânico que a personagem transmite, o olhar perdido num constante abrir e fechar de portas, na esperança de que o inevitável não aconteça.

A emoção atinge outro pico na cena em que Alice reencontra no seu computador uma pasta intitulada “Borboleta”. Aí, encontra um vídeo filmado quando ainda estava ‘lúcida’, com instruções a seguir quando já não fosse capaz de realizar os encadeamentos lógicos mais simples. Quase que se fica mais ansioso e desesperado do que Alice ao vê-la não conseguir executar a simples tarefa subir as escadas, entrar no quarto, abrir a gaveta e tomar uma caixa de comprimidos. Sempre na expectativa que alguém chegue a casa e trave os seus planos. Isto sem falar no discurso emocional da linguista, num seminário sobre Alzheimer, onde Moore é capaz de tornar um simples marcador na peça fundamental do discurso de uma oradora experiente, cujas palavras tocam a audiência dentro e fora do ecrã. 

Por Alice, Moore foi para já distinguida com um Globo de Ouro e um BAFTA. Em toda a sua carreira, recebe agora a quinta nomeação para os Óscares, a terceira como actriz principal (‘O Fim da Aventura’, ‘Longe do Paraíso’ e ‘O Meu Nome é Alice’). Já tinha conquistado um Globo de Ouro – num total de oito nomeações – pela série “Mudança de Jogo”. Venceu ainda o prémio de Melhor Actriz em Cannes pelo filme “Mapas Para as Estrelas”

Moore não tem garantido o Óscar. Tem como oponentes nomes como Rosamund Pike (‘Gone Girl’) e Felicity Jones (‘Teoria de Tudo’). Pike, sobretudo, seria uma justa vencedora. Mas esta Alice é talvez – e apenas para já – o auge de uma impressionante carreira que em todos os sentidos se encaminha para o momento com que sonhou há três décadas quando anunciou aos pais a sua decisão. O momento “I would like to thank the Academy”.

rita.porto@sol.pt