A rainha da erva

A primeira vez que um médico sugeriu a Cheryl Shuman que fumasse um charro para vencer uma depressão, a empresária achou que estava nos Apanhados. Quase 20 anos depois, gere um fundo milionário que negoceia canábis e é a fundadora do Beverly Hills Cannabis Club.

Quando se olha para Cheryl Shuman, com um longo cabelo loiro impecavelmente tratado e blazers de corte tradicional, torna-se difícil imaginar que esta norte-americana de 55 anos gere um fundo de 106 milhões de dólares em negócios de marijuana, preside ao Beverly Hills Cannabis Club e sonha com o dia em que «o consumo de marijuana seja tão comum quanto beber vinho às refeições».

Apelidada 'Rainha da Cannabis de Beverly Hills', a história de Cheryl Shuman é digna de um filme de Hollywood. Natural de uma família pobre de Ohio, fez fortuna precocemente a vender cupões de desconto, mas um acidente de carro, em 1983, atirou-a de volta para a miséria. Com 23 anos estava desempregada, sem dinheiro e sozinha com uma filha. Resolveu procurar o seu pai biológico, em Los Angeles, acto que não teve grandes consequências. Depois de três semanas a viver com a filha num carro, arranjou emprego numa óptica em Encino, no Norte de Los Angeles. Foi aí que a sua vida voltou a mudar, ao conhecer o responsável pelos acessórios de um filme protagonizado por Shirley MacLaine. Shuman disponibilizou-se para se deslocar às filmagens para tirar medidas para os óculos da actriz e nascia aqui a Starry Eyes Optical Services – a empresa que se especializou a trabalhar para cinema, tendo colaborado com filmes como Malcolm X, Exterminador Implacável 2 e Um Amor Inevitável (When Harry Met Sally). 

No entanto, o mesmo meio que lhe trouxe a fortuna, trouxe-lhe a desgraça. Depois de anos de colaborações com Steven Seagal, em 1995 Shuman processou o actor por alegado assédio sexual e quebra contratual após uma relação sexual consensual, bem como por ameaças de morte. O escândalo foi a desgraça da Starry Eyes. E de Shuman.

À beira de uma depressão, em 1996, um psicólogo aconselhou-a a fumar um charro. «Pensei que estava nos Apanhados», confessou, mais tarde, numa entrevista. Mas não estava e quando, nesse mesmo ano, o Estado da Califórnia aprovou o uso medicinal da canábis, a empresária resolveu montar uma plantação no Norte do Estado para vender aos seus contactos profissionais. Sim, os mesmos que antes lhe compravam óculos. «Já tinha trabalhado com pessoas como Cameron Diaz, Drew Barrymore, Justin Timberlake, Paul McCartney. Todos eles adoram marijuana», disse. Assim nasceu o Beverly Hills Cannabis Club, um clube que disponibiliza «a melhor canábis do mundo, natural e orgânica», a cerca de 620 euros a onça (28,3 gramas). Actualmente, o clube conta com cerca de 1700 membros, dos quais uma centena pertence à «elite do espectáculo» e regularmente organiza jantares de degustação nos quais cada prato é harmonizado com a marijuana mais indicada.

Dez anos depois do arranque do clube, Cheryl Shuman foi diagnosticada com um cancro nos ovários, que se metastizou para o cólon e a bexiga. Habituada a consumir marijuana como forma de aliviar o stresse, a empresária submeteu-se a um tratamento à base de óleo de canábis e, afirma, 90 dias depois estava fora do hospital e de regresso ao trabalho, garantindo que o CBD, um princípio activo daquela planta, tem o poder de reverter tumores. Uma teoria para a qual várias organizações – como a American Cancer Society – alertam não corresponder à realidade.

Na sequência daquilo que considera uma cura milagrosa, Shuman resolveu retirar o seu negócio da obscuridade e tornou-se uma das maiores promotoras dos benefícios da canábis. E, claro, publicitando a sua própria história, o sucesso não se fez esperar. O seu império inclui produtos comestíveis (bolos, bolachas, batidos, temperos, azeites, etc.), champôs e cremes, roupa, vaporizadores, cinzeiros… E, claro, a própria marijuana. Além das vendas, Cheryl Shuman faz consultoria e assessoria de imagem, marketing e publicidade sempre na defesa e divulgação da canábis.

É certo que, apesar do sucesso do negócio, e tendo em conta que a marijuana já é legal no Colorado, Alasca, Washington, Oregón e permitida para uso terapêutico na Califórnia, ainda é considerada ilegal a nível nacional. Isto significa que, a qualquer momento, todo o negócio de Shuman pode ser encerrado e a empresária pode ser presa. Um pesadelo que a persegue de forma recorrente: «Quando me deito tenho constantemente a visão de gente a entrar-me em casa com AK47, aos berros a mandarem-me deitar no chão».

Com duas filhas, Cheryl Shuman costuma dizer que sempre desejou criar um negócio de família. E conseguiu, já que a mais velha é o seu braço-direito. Apenas nunca imaginou que o tal negócio familiar seria neste ramo. Rendida ao sucesso das suas opções, diz querer deixar um legado no que diz respeito ao consumo de canábis e que sonha ser uma espécie de Martha Stewart – escritora, apresentadora e dona de um império ligado à televisão, publicações e e-comércio – da marijuana. Mas sem fraudes que a levem à prisão, imaginamos. 

raquel.carrilho@sol.pt