No seu testemunho, publicado no site israelita NRG, Klein diz que mentiria se dissesse que não teve medo, pois a certa altura sentiu-se como se estivesse a “caminhar no centro de Ramalá”, a capital dos territórios palestinianos. E acaba a questionar: “É por isto que os judeus de Paris passam, no dia-a-dia, enquanto vão e voltam do trabalho em transportes públicos?”.
Mais de meio século depois da sua última grande manifestação, o anti-semitismo, sentimento com papel principal em algumas das páginas mais negras da história da Europa, volta a ser colocado na agenda política, desta vez devido ao terrorismo islâmico.
Inspirados pelo EI
A morte, no domingo da semana passada, de um guarda da Grande Sinagoga de Copenhaga, na Dinamarca, foi o último episódio. Tal como em Paris, no mês anterior, o atacante fez pontaria primeiro à liberdade de expressão – matando um realizador que participava num debate sobre o tema, no rescaldo dos ataques ao Charlie Hebdo -, dirigindo-se de seguida ao maior centro religioso da comunidade judaica na capital dinamarquesa.
Também como em Paris, o atacante identificado é um muçulmano nascido na Dinamarca. Todos referiram a influência que Abu Bakr al Baghdadi, o líder do autoproclamado Estado Islâmico, teve nos seus ataques. É um pormenor que os divide: ao contrário dos irmãos Kouachi e de Amedy Coulibaly, Omar Abdel Hamid El-Hussein não terá sido radicalizado na Síria ou no Iraque, mas numa prisão dinamarquesa.
Para o Governo israelita, pouca diferença faz. À semelhança do que fizera em Janeiro, Benjamin Netanyahu apelou à fuga dos judeus da Europa: “Os judeus merecem viver em segurança em qualquer país mas quero dizer aos nossos irmãos e irmãs – Israel é a vossa casa”, disse o primeiro-ministro israelita antes de admitir esperar que “esta onda de ataques continue”.
Netanyahu não se referia apenas ao ataque de Copenhaga. Falava também porque, no mesmo domingo, mais de duas centenas de campas de judeus foram vandalizadas num cemitério de Sarre-Union, em França. País que no final do vídeo de Zvika Klein é acusado de ser “o mais anti-semita da Europa Ocidental”, com 851 ataques anti-semitas registados em 2014, segundo a ONG Liga Anti-Difamação.
Natan Sharansky, líder de uma organização que facilita o processo de migração para Israel, avançou à Bloomberg que o número de judeus a deixar França alcançou os sete mil em 2014, mais do dobro em relação ao ano anterior.
Em visita ao cemitério vandalizado, o Presidente francês reconheceu a existência de “dúvidas entre a comunidade” judaica, num momento difícil para a multiculturalidade do seu país. Hollande citou um relatório do comissário para os Direitos Humanos do Conselho da Europa, divulgado no início da semana. O número de ataques anti-semitas em França durante o último ano foi o dobro em relação a 2013. Os incidentes de violência contra muçulmanos já são tantos desde os ataques em Paris como foram em todo o ano de 2014.
Mas o francês deixa a garantia: “Não deixarei passar o que foi dito em Israel, levando as pessoas a acreditar que os judeus já não têm lugar na Europa e em França”. Helle Thorning-Schmidt, a homóloga dinamarquesa, diz que o seu país “não seria o mesmo sem a comunidade judaica”.
Alemanha, Itália, Holanda…
Mas as promessas políticas contrastam com o dia-a-dia dos judeus no Velho Continente. Em Agosto de 2014, o presidente do Conselho Central de Judeus na Alemanha, Dieter Graumann, afirmava ao Guardian que a comunidade “vive os piores tempos desde a era nazi”, com os seus membros a ser regularmente insultados com frases como “os judeus deviam ser queimados”.
Em 2014, o país assistiu a um ataque a uma sinagoga em Wuppertal e a diversos episódios de violência contra cidadãos judeus. O imã de Berlim, Abu Bilal Ismail, afirmou publicamente ter pedido a Alá para “destruir os sionistas judeus, contá-los e matá-los até ao último”. Associações de judeus em Itália, Holanda ou Bélgica denunciam episódios semelhantes.
A tendência é também confirmada por estudos de opinião. Em 2012, a Agência de Direitos Fundamentais da UE descobriu que dois terços (66%) dos seis mil judeus entrevistados declaram sentir um crescimento do anti-semitismo na Europa. No ano passado, a norte-americana Liga Anti-Difamação concluiu uma pesquisa que envolveu entrevistas a mais de 300 mil europeus. Os resultados concluíram que 24% das pessoas revelam sinais de anti-semitismo. Em França o número atinge os 37%, na Alemanha 27% e em Itália 20%.
O primeiro-ministro francês, Manuel Valls, tenta encontrar explicação num “novo e normalizado” anti-semitismo, impulsionado “pela causa palestiniana, o jihadismo, a devastação de Israel e o desprezo pela França e os seus valores”. Quando esse sentimento passa à prática, como nos ataques de Paris, as consequências são imediatas: a Agência Judaica registou um aumento de 300% no número de judeus franceses a querer iniciar o processo de migração para Israel desde a matança de Janeiro. “É meteórico”, disse à CNN o director Yossi Leibovitz, explicando que 80% dos pedidos chegaram de Paris.
A fuga, porém, não é solução para todos. Há quem prometa resistir e combater os fanatismos, de ambos os lados. “Não deixaremos que o terrorismo comande as nossas vidas. Continuaremos a viver como judeus, na Dinamarca e em todo o mundo”, garantiu o rabino de Copenhaga, Jan Melchior. Ali perto, na Noruega, um grupo de jovens muçulmanos propõe-se proteger, já amanhã, a principal sinagoga de Oslo: “O Islão defende os seus irmãos e irmãs, independentemente da sua religião”, lê-se na convocatória que já conta com mais de mil promessas de participação no Facebook.