Após um voo de cerca de doze horas, e com nove horas de diferença, à chegada a Tóquio o jet lag é ampliado pelo embate civilizacional. Até porque, na metrópole, encontrar alguém que fale inglês correctamente pode ser quase tão difícil como compreender a grafia nipónica. O melhor é retribuir sorrisos e vénias, repetindo 'arigatou gazaimasu', o tradicional agradecimento, e deixarmo-nos levar. Uma curiosidade: ao contrário do que é normalmente difundido, e apesar das semelhanças fonéticas, a palavra 'arigato' já existia antes de os portugueses chegarem à região.
Para um neófito na cidade, nada melhor do que aceitar as sugestões de quem sabe. Dicas que não vêm nos tradicionais guias de turismo. O Sr. Masato, taxista há 23 anos na cidade de Tóquio, impecavelmente vestido de fato completo, conduz um Toyota verde de um modelo que não é comercializado no Ocidente. Embora revele uma compreensão da língua inglesa muito limitada, está cheio de vontade de nos ajudar. «Comida local?», pergunta. «Tentem o Menya Musashi, em Shinjuko. É um dos melhores sítios para comer o lamen», garante. Refere-se à tradicional sopa japonesa, uma refeição completa devidamente acompanhada com carne e legumes.
A particularidade deste espaço acanhado é que apenas se come ao balcão. As infinitas variantes dos pedidos são feitas numa máquina electrónica totalmente em japonês. O lado bom é que não há como errar – tudo é delicioso. E quando chegar a nossa vez já teremos o lamen fumegante à espera.
Com um total de catorze restaurantes com nota máxima, Tóquio tem um número recorde de estabelecimentos com três estrelas Michelin. Mas não é necessário pagar uma fortuna para comer bem. Quentin Tarantino haveria de sugerir a experiência acolhedora e o bom sashimi do Gonpachi Nishiazabu, perto de Roppongi, onde se praticam preços moderados. Desde que o realizador ali rodou uma cena fulcral de Kill Bill, o restaurante tornou-se uma atracção turística. Uma das especialidades é a tempura, uma fritura de legumes cujo nome deriva do português 'tempero'.
Quase todos os restaurantes de Tóquio aderiram à moda da comida de plástico. Literalmente. Em vitrinas à entrada, os estabelecimentos exibem reproduções dos pratos que ali se cozinham. Pode parecer um hábito banal, mas o povo japonês leva-o tão a sério que as iguarias de plástico deixam muitos com água na boca.
Seja como for, existem também milhares de lojas de conveniência onde é possível comprar refeições por escassos euros ou todo o tipo de bebidas e produtos variados. Mas numa cidade que se orgulha do seu lado mais bizarro, até a cadeia de Burger King decidiu criar um menu de hambúrguer especial. Tem a particularidade de todos os ingredientes serem pretos: o pão, o queijo, a carne… e até o molho.
Para o turista acabado de chegar a Tóquio, umas das experiências mais singulares será entrar numa das ensurdecedoras salas de pachinko. Na realidade, por vezes não se trata de uma simples sala, mas de um edifício de sete ou oito andares repleto de máquinas barulhentas. Pessoas de ambos os sexos colocam esferas na expectativa de ganhar um prémio – o jogo a dinheiro é proibido a nível nacional, mas o pachinko é um substituto à altura e igualmente viciante.
Love hotels – a ponta do icebergue
Antes de nos deixar, o Sr. Masato aludira a outro estereótipo muito procurado pelos turistas em Tóquio. Apesar da visível cordialidade, o japonês não guarda espaço para a inibição. «Se quiserem, ali perto do restaurante têm um love hotel. São uma verdadeira instituição na cidade. E muito procurados por pares de namorados», sugere com um sorriso malicioso do outro lado do espelho retrovisor. O hotel tem quartos temáticos – por exemplo, para amantes da boneca Hello Kitty.
No entanto, os Love Hotels são apenas a ponta do icebergue. Nos host clubs ou nas salas de massagem, a oferta de sexo é mais ou menos explícita. Existem ainda locais discretos que servem comida e bebida, onde os jogos eróticos se passam discretamente debaixo da mesa.
Já de noite, a cidade transforma-se e os néones garridos de Shibuya, Shinjuko, Ikeburo ou Roppingi acentuam os contrastes.
Aí, a atitude predominantemente pacata dos japoneses dá lugar ao prazer e ao fetichismo kinky sem barreiras. Um artigo bastante popular no Japão são as bonecas de silicone hiper-realistas (há muito que deixaram de ser insufláveis). Numa gigantesca sex shop de vários andares existem à venda reproduções de Barbies sofisticadas e apetrechadas com inventivos acessórios. Para os mais exóticos, neste enorme edifício há bonecas que imitam na perfeição meninas virgens devidamente atadas e com mordaças. Um vale-tudo quando se trata de dar largas à imaginação.
Sumptuoso vs. espartano
Na elegante Omotesando, a arquitectura de vanguarda serve de abrigo às mais prestigiadas marcas de alta-costura do mundo. O fabuloso edifício da Prada, construído em vidro côncavo, foi concebido pela reputada dupla suíça Herzog & de Meuron. Louis Vuitton, Gucci e Dior desfilam por aqui, mas também há moda mais democrática, como na Uniclo ou na Beams, para um estilo cool.
Recorrentemente considerada uma das cidades mais caras do mundo, Tóquio possui hotéis verdadeiramente sumptuosos, como o Mandarin Oriental, no coração de Nihombashi, um dos bairros mais chiques da cidade, ou o Park Hyatt, em Shinjuko, onde Scarlet Johansson e Bill Murray pernoitaram para a gravação de Lost in Translation.
No extremo oposto, encontra-se o conforto espartano em dois m2 dos inúmeros capsule hotels. Além dos turistas menos abonados, são os empresários quem procura estes lugares para relaxar durante umas horas. Pernoitar num destes cubículos recheados de tecnologia poderá ser uma experiência tão interessante quanto ficar num quarto de luxo. E a diferença de preço (de 20 para 600 euros) também dá que pensar. Além do espaço (ou da falta dele), há apenas um senão: os hotéis cápsula são quase todos unissexo. Ou seja, nos masculinos, menina não entra, e vice-versa – o atrevimento dos japoneses ainda não chegou tão longe.
Tóquio possui a sua própria torre Eiffel, a Tokyo Tower. Trinta metros mais alta do que a congénere parisiense e pintada de vermelho e branco, destaca-se dos arranha-céus do centro, onde trabalha uma parte dos 34 milhões que vivem no tecido urbano. A capital japonesa é a metrópole mais densamente povoada do mundo. No entanto, também é possível escapar à mole humana. A arquitectura do bairro Golden Gai, em Shinjuko, oferece um vislumbre do Japão antigo. Em seis dos seus becos concentram-se nada menos do que duas centenas de bares. Têm uma particularidade: a maioria não alberga mais do que quatro pessoas.
E, porque estamos a falar de espaços exíguos, por que não referir as casas de banho high-tech? A maioria dispõe de sanita aquecida e de um sofisticado sistema de lavagem a jacto aromático, com cinco velocidades. Uma limpeza total que dispensa até o uso de papel higiénico. Bizarro ou apenas obsessivamente asseado?