A Grécia dos nossos dias e os seus habitantes têm muito pouco haver com essa Grécia de orgulhosas e competitivas cidades-estado que Xenofonte retractou e com que Aquilino se maravilhou. Uma história complexa e muitas vezes dramática intimamente ligada àquele que foi um dos grandes impérios da história, o império Otomano, tornou a Grécia contemporânea muito mais devedora das minúcias e idiossincrasias da burocracia Turca, do que desse individualismo primário dos espartanos ou atenienses. Há no entanto na Anábase uma lição essencial para os nossos dias, que é a da resiliência e capacidade de adaptação dos Gregos.
Podemos menorizar a situação da Grécia referindo a sua reduzida dimensão demográfica e geográfica ou o reduzido peso do seu PIB quando comparado até mesmo com o de algumas cidades europeias de grande dimensão. Mas nada disso tem importância quando olhamos para a capacidade demonstrada por esse reduzido número de indivíduos para lidarem com complexas instituições, como o são as instituições europeias, e num curto espaço de tempo demonstrarem uma grande capacidade de uso das tecnologias de comunicação em rede hoje tão omnipresentes na nossa sociedade mediatizada, por forma a internamente conseguirem aparentemente manter a força do seu discurso, pese embora não das suas acções. Tal como outros movimentos populistas no espaço europeu – veja-se o exemplo do movimento cinco estrelas em Itália – o que os novos actores do poder na Grécia nos vieram lembrar, é que aqueles que se movimentam por um interesse próprio antitético de um poder maior têm, desde que resilientes na procura do cumprimento dos seus objectivos, uma forte capacidade de alcançarem os mesmo desde que assentem tal processo numa liderança forte e carismática.
Hoje não devemos esquecer os gregos do passado para compreendermos estes gregos do presente. Por mais insignificantes que os achemos, as suas acções e as consequências das mesmas são altamente relevantes para o futuro da Europa, e principalmente para o destino de tantos movimentos populistas que já de forma assumida ou ainda discreta, começam, tal como na Anábase, a vir das fronteiras exteriores da nossa democracia para o interior da mesma, em ordem quiçá a ocupar o centro do poder.