Este ano de 2015 são dez da noite e tenho tudo preparado: sentada no sofá com uma mantinha, a televisão está ligada na SIC Caras, tenho um baldinho modesto de gelado assente na mesa de apoio, telemóvel ao lado, para ir comentando o que vai acontecendo com os amigos mais próximos via WhatsApp, e o computador no colo para os comentários no Facebook.
São dez e pouco da noite e já fiz uns dez posts sobre as saudades que tenho de Joan Rivers. Tenho imensa pena de não estar a ver o Fashion Police no E! Entertainment, mas também temo que as red carpets já não tenham graça nenhuma. Em nenhum canal.
Em Setembro do ano passado, quando Joan Rivers morreu, fiquei com muita vontade de escrever um artigo sobre ela, para publicar aqui. Mas não queria que fosse um artigo referencial ou uma espécie de memorial post mortem ou ainda um texto de homenagem. Mesmo sem ter ninguém – pelo menos é o que acho – que me ligue à Joan Rivers directamente, sempre achei que escrever um texto queridinho não faria sentido nenhum, porque ela não era isso. Fiquei então à espera do momento oportuno. Mais ou menos à espera, porque objectivamente não estava à espera de nada. Acredito que tudo o que tem de voltar, volta.
Para mim, a Joan Rivers nunca chegou a partir definitivamente.
A emissão na SIC Caras não tem estado a ser muito empolgante (antes pelo contrário, há uma necessidade dos comentadores da red carpet em manter o comentário politicamente correcto, que não faz sentido nenhum e não tem a menor graça…) e mesmo com o computador no colo, não consigo apanhar um streaming decente para ver a emissão do E! Entertainment com o que resta do Fashion Police. Tirei o som à televisão e estou aqui a pensar na Joan Rivers e no seu legado.
O motivo pelo qual é noite de Óscares e estamos todos pespegados aos ecrãs é precisamente Joan Rivers. Foi ela que, há vinte anos com a sua filha Melissa, decidiu ir para os Óscares fazer uma emissão.
Foi Joan Rivers quem voltou a tornar a noite dos Óscares um acontecimento cool.
Tenho muitas saudades dela e da sua liberdade de expressão, conquistada não só pela idade e carreira, mas sobretudo pela forma maravilhosa como sempre disse aquilo que queria, fosse como fosse; liberdade essa que sempre foi confundida com audácia ou descaramento ou cara de pau ou apenas vontade de provocar. Joan Rivers era a mulher showbizz por excelência. Se houvesse um ideal renascentista de mulher showbizz, o arquétipo era Joan Rivers: irónica, mordaz, com um acutilado sentido de si mesma e com uma enorme capacidade de se rir dela própria. A vida no fio da navalha.
Joan Rivers comentava, num canal de cabo, rodeada de mais interlocutores que, na verdade, funcionavam como uma espécie de coro de tragédia, os eventos da red carpet com uma graça muito especial. Coleccionava inimigos, muito por causa dos seus comentários e da forma como fazia comédia, em tempo real, com as personagens que iam desfilando os vestidos escolhidos para a ocasião. Tudo num universo metaficcional, tudo com personagens intermédias, numa sublimação reservada à compreensão de muito poucos. Ganhar ou perder o Óscar era irrelevante, face a cair nas boas graças de Rivers.
Agradeço o legado de Joan Rivers, a comediante, fashion adviser, crítica, cronista, opinion maker e embaixadora da liberdade de expressão. Agradeço, do fundo do coração, que Joan Rivers tenha deixado ao mundo do espectáculo conceitos e noções de diversão associados à ideia da prática da moda ou do estilo. Porque só a Joan Rivers foi capaz de fazer as debutantes de Hollywood temer um comentário ou estudar e praticar o nome do costureiro que as vestiria nessa noite. Foi Joan Rivers que tornou as red carpets um dos maiores alvos de product placement do mundo da moda, através da questão clássica “who are you wearing tonight?”.
Perdeu-se a autenticidade de Rivers e os Óscares estão mais pobres. No entanto, nesta madrugada de segunda-feira, estivemos todos a ver, tal como ela nos ensinou nos últimos anos; e consegui finalmente perceber o que poderia escrever sobre Joan Rivers e a falta que ela me tem feito às gargalhadas.
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