Tiago Pitta e Cunha: ‘Enquanto não nos reencontrarmos com o mar ,não vamos dar certo’

Numa época em que o mar aparece como uma tábua de salvação para o naufrágio da economia portuguesa, e com um Roteiro do Mar desenhado pelo Governo, uma voz tem afirmado, há mais de dez anos, quase em solilóquio, a importância do grande azul: Tiago Pitta e Cunha. Jurista de formação, é especialista em políticas…

A crise pode ser irremediável para a continuidade de projectos de investigação pública de recursos marinhos?

Acho que não, tem sido ao contrário. Talvez as pessoas que não estejam a seguir a economia do mar sector a sector, mês a mês, não tenham essa percepção. Mas a crise tem ajudado alguns sectores a desenvolverem-se, contra a corrente da economia nacional. Isso é curioso.

Quais?

Os portos, por exemplo, por causa do aumento das exportações nacionais. Leixões tem beneficiado muito com isso. Sines também, mas por outras razões, por começar a ser agora uma plataforma giratória de trânsito que não nos diz respeito, da Ásia para a Europa. Um outro sector que tem crescido muito, não sei bem por que razão, é a transformação de pescado, quer as conservas, quer o próprio bacalhau, que se tem aguentado, quer os congelados, que têm aumentado. Temos pouca matéria-prima, não temos grandes recursos pesqueiros. Esse é um dos aspectos que gosto de frisar.

É surpreendente.

A maior parte das pessoas acha que Portugal é um país de pesca. Não temos peixe.

E a plataforma continental que temos, não tem recursos pesqueiros?

Uma coisa não tem a ver com a outra. A plataforma continental é muito profunda e os grandes stocks de pescado existem em plataformas superficiais. A prova de que não somos um país de pesca é que desde o século XIV tivemos de ir para os bancos da Terra Nova procurar uma proteína de origem marinha, o bacalhau, que não temos nas nossas águas. Temos peixe costeiro, que adoramos e quando conseguimos, comemos nos restaurantes – os robalos, os sargos, as douradas, e alguns que vêem dos Açores, os gorazes, as garoupas… 

Não podemos vir a ter uma indústria pesqueira?

Costumávamos ter, mas já não temos. Pescávamos na Namíbia, em Marrocos, na Mauritânia, no Senegal, na Noruega, na Islândia, no Canadá. Hoje em dia não pescamos nessas áreas, por muitas razões. Fiquei muito contente porque, com a Comissão Estratégica dos Oceanos, que foi um grupo de trabalho de alto nível, que fez o primeiro relatório com os elementos de uma estratégia nacional para o mar – saiu em 2004 -, fomos os primeiros a dizer que temos uma Zona Económica Exclusiva (ZEE) que é a maior da UE, que é 18 vezes o território terrestre. Mas os outros estados costeiros também, deixámos de ter autorizações para pescar naquilo que hoje são ZEE desses países. Até ao final dos anos 70, eram alto-mar, mar internacional. 

Essa indústria é só para alimentação?

A nossa indústria de transformação de pescado está a crescer bastante. Diria que, por exemplo, na área que designamos por indústrias de bio-recursos marinhos – ligadas à biotecnologia marinha, ou seja, que utilizam a matéria viva do mar não para comer, mas para a nutracêutica, a farmacêutica, a cosmética, a alimentação, os têxteis, os biomateriais, os plásticos biodegradáveis – essas áreas têm ganho com a crise, porque têm forçado os investigadores a sair de dentro dos muros da universidade. E muitas vezes para empresas que eles próprios constituem. 

As chamadas spin-offs…

Em 2012, acabei um relatório que levou um ano a coligir, que se chamou Blue Growth for Portugal, sobre quanto a economia do mar em Portugal, no seu agregado, valia em termos de PIB nacional. Chegou-se à conclusão de que é diminuta, porque valia 2,5% do PIB, o que é muito menos que a média europeia, que é de 5%. Ou seja, um estado costeiro da Europa Ocidental, integrado na UE, em geral, faz 5%, sendo que há outros a fazer muito mais, como a Dinamarca ou a Noruega, ou ainda a Holanda. Esse estudo era feito com base em números de 2010 e 2011 e concluía também que não havia massa crítica. 

Normalmente, nesse caso, culpa-se o sector privado por alguma inacção.

O sector privado, seguramente, não tem estado à altura. Nunca acompanhou o investimento público, mesmo na área da ciência e da investigação. Mas o sector público é muito formalista. Acho que está a mudar por causa da crise, da falta de dinheiro público para a investigação científica e tecnológica, mas também por causa da forma como a Europa está a empurrar a investigação científica europeia, que quer cada vez mais aberta à sociedade e em cooperação com as empresas. Sozinhos, uns e outros, já não conseguem ganhar o acesso aos fundos. 

Por outro lado, a importância ecológica do mar é imensa.

As pessoas não compreendem que quando falamos de alterações climáticas e de insustentabilidade ambiental, estamos a falar essencialmente de mar. Estamos muito mais preocupados com as florestas e os recursos hídricos, por exemplo, do que com o mar. Mas o mar produz mais oxigénio que as florestas, retém quase tanto CO2 como as florestas e gera os recursos hídricos, porque é ele que desenvolve os ciclos hidrológicos. Ou seja, é da evaporação da água do mar que se formam depois os recursos hídricos de que nós acabamos por beneficiar. 

Há até aquele chavão, de que nós conhecemos melhor a superfície da lua do que o fundo dos oceanos.

Sem dúvida. Mas isso também se está a alterar. Se repararmos, hoje, 80% da indústria do petróleo e do gás natural está na exploração offshore e na exploração offshore de profundidade. Hoje em dia o capital de investimento de infra-estrutura não está em terra, está no mar. Para nós é fundamental alinharmos a nossa agenda com a agenda mundial, para onde sopram os ventos. 

E não temos conseguido alinhá-la?

Na Revolução Industrial, Portugal deixou de ser um país pertinente no sentido em que não tinha carvão. Logo passámos a ter uma economia secundária. A seguir vem o motor a explosão e não tínhamos também os combustíveis do século XX. Tivemos a revolução digital, que é a que domina as nossas vidas, e estamos profundamente mergulhados nela, mas não detínhamos aqui, na altura, um dos elementos fundamentais, que era técnicos informáticos especializados na língua inglesa. Se me perguntarem qual foi a razão de esta história portuguesa não ter dado certo, creio que o nosso problema não nasceu com a crise de 2007/2008. Vem de trás. Podemos dizer que coincide com a entrada no euro, com a falta de competitividade que o euro agravou… Mas vem ainda de trás, a falta de competitividade é algo que tem 50 anos. 

A falta de industrialização? 

Nós andámos desalinhados da agenda mundial desde, pelo menos, a Segunda Guerra. Passámos a segunda metade do século XX contra os ventos da história, a manter territórios ultramarinos quando a palavra de ordem era a autodeterminação dos povos, a manter monopólios e condicionamentos industriais quando a palavra era a abertura das economias e a criação de um mercado comum… Tardámos em ver a queda do Muro, a integração dos países de Leste na UE e principalmente tardámos a compreender que temos aqui uma mais-valia, uma vantagem comparativa, que é a nossa geografia, que é avassaladoramente marítima. Enquanto não nos reencontrarmos com esta geografia, o nosso país não vai dar certo. 

E qual é o caminho que o mar aponta?

Creio que vamos assistir, neste século XXI, a uma corrida aos oceanos. Da mesma maneira que essa corrida já está profundamente aí na área do petróleo e do gás natural. 

Mas não podemos acelerar ainda mais a degradação dos mares assim?

Se os começarmos a explorar com o business as usual, com o modelo do século XX. Não tenho dúvidas de que têm sido feitos progressos tecnológicos nas turbinas das eólicas offshore, que começam a ser cada vez maiores relativamente às terrestres. Estamos a falar já de oito megawatts no mar, mas temos a possibilidade de chegar já a máquinas de dez megawatts, e que essas máquinas se vão tornar competitivas, mesmo sem subsídios, num futuro já de médio prazo. E não tenho dúvidas nenhumas de que para essa tecnologia também vai ser fundamental o passo dado para a migração das eólicas submarinas que estão fixas ao subsolo e ao solo marítimo, para as flutuantes. No fundo, um pouco como aquele projecto que está a ser desenvolvido no Norte de Portugal, o Windfloat, uma eólica flutuante. Depois há um outro elemento fundamental na área da energia do mar, que é a segurança do fornecimento energético. 

No nosso caso, para o gás natural, não dependemos da Rússia…

Mas é o caso da maior parte da Europa, com os problemas que tem gerado no contexto geopolítico do continente europeu. No final do século XX, achámos que era um perigo para a segurança transportar petróleo por navio, depois dos desastres do Erika e do Prestige, e que tínhamos de passar a transportar a nossa energia por pipelines. Hoje compreendemos que não é nada assim. A questão do petróleo resolvemo-la com os navios de duplo casco até 2009, a data final que tinham para se adaptar os navios. Hoje compreendemos a importância dos terminais de gás natural liquefeito, como o que temos em Sines e outros que existem na Península Ibérica. Neste caso, foi uma aposta muito acertada de Portugal, porque deixámos de depender exclusivamente do gás da Argélia, e passámos também a diversificar desde logo essa fonte com o gás da Nigéria. É aí também que o mar tem importância, enquanto fonte de diversificação das rotas de transporte. 

O gás da Nigéria vem então de barco até Sines?

Vai para o terminal de gás natural liquefeito. É um transporte muito sofisticado, muito complexo, porque o gás é comprimido num terminal de exportação na Nigéria, transformado em líquido, transportado na forma líquida, e depois é novamente transformado em gás para poder correr nas nossas condutas e chegar às nossas casas. 

Podíamos exportar esse gás?

Claro. Se tivéssemos as estruturas adequadas, nós podíamos revender esse gás para outros países europeus. E diria até não só Portugal, mas numa estratégia comum entre Portugal e Espanha, porque é aí que encontramos a maior concentração de terminais de gás natural liquefeito de toda a Europa. Somos os países menos dependentes do gás da Rússia. Há outro aspecto muito interessante ligado ao gás e ao mar. Portugal poderia, uma vez que nós temos contratos a longo prazo com a Nigéria – que, julgo, vão até aos 20 anos de fornecimento – investir nos meios necessários para transportar esse gás natural, ficando esses meios de transporte de alguma forma sob interesses nacionais. Isso era importante pela mais-valia que se ganha nessa área – o transporte de gás natural vale 30% do produto. O seu manuseamento e o seu transporte são tão sofisticados que as tripulações têm de ser altamente especializadas. 

Seria multiplicar emprego qualificado…

… E desenvolver o mar, criar indústrias, engenheiros navais, tecnologia, e não só – é também segurança, soberania. Em tempos de escassez, o gás natural corre para quem pagar mais. Nós fizemos um erro, que para mim é o pecado original da decadência do nosso cluster do mar, quando achámos que podíamos viver sem marinha mercante. E essa decisão nunca foi tomada de uma forma voluntarista mas, por omissão, foi sendo tomada ao longo de décadas. 

A frota foi desaparecendo?

Foi desaparecendo, porque temos uma enorme incapacidade de ter uma análise prospectiva dos nossos interesses. Sobre as águas sob jurisdição nacional passam 60% da frota de marinha mercante da UE. E ganhamos alguma coisa com isso? Nada. Pelo contrário, pagamos, porque somos responsáveis pela busca e salvamento e podemos ser vítimas dos acidentes ambientais que essa utilização de risco ocasione. E quem fala dos transportes marítimos e da tecnologia também fala de toda a área da alimentação e da segurança alimentar. Vamos ter de apostar muito mais do que hoje na aquacultura. E também por aí o mar vai ser importante, não só pela produção de proteínas, mas também pela produção de medicamentos, pela medicina, pelo bem-estar, pelos suplementos alimentares, pela nutracêutica. 80% das formas de vida estão no mar. 

E não teremos uma dificuldade, a do custo exacerbado da extracção?

Depende do produto de que estamos a falar. Se forem minérios, sem dúvida. Neste momento, apesar de sabermos que existem minérios com ligas metálicas muito ricas no fundo mar, e materiais escassos hoje em dia em terra, não conseguimos ainda desenvolver a tecnologia em termos de preço que justifique a sua exploração. Mas não tenho dúvidas nenhumas de que estamos a caminhar para isso. As tecnologias de comunicação e informação recorrem a determinadas ligas metálicas que cada vez aumentam mais de preço. Por que há, hoje em dia, roubos de cobre? Há 15, 20 anos, nunca ouvíamos falar disso. É porque o cobre hoje vale mais que a prata, porque é um material cada vez mais escasso. Os fundos do mar têm essas ligas e isso, realmente, coaduna-se com a ideia do preço da exploração. 

Temos tentado fazer essa exploração?

Não é a componente da recolha que é determinante, principalmente se um país tiver uma visão de longo prazo para ter, por exemplo, uma política industrial para a biotecnologia que leve a facilitar a recolha de amostras. O que aliás tem vindo a ser feito, um bocadinho com o levantamento da delimitação da plataforma continental, com a aquisição do robô ROV Luso, que vai a seis mil metros de profundidade – é um veículo operado remotamente a partir de um navio e que tem uma série de capacidades de recolher amostras, de filmar, de manipular materiais submarinos a grandes profundidades, sejam materiais vivos, sejam inertes. Começámos a aumentar muitíssimo as nossas colecções de amostras. Tanto que o programa M@rBis, que é o programa nacional da biodiversidade marinha, aumentou muitíssimo e todos os anos há cruzeiros científicos. É uma questão de nos organizarmos. Sei que neste momento o Governo está a desenvolver legislação para regular a propriedade e o licenciamento dessas amostras. 

E é necessário ter laboratórios em terra para transformar essas amostras.

Não vou esconder que não seja necessário ter alguns recursos financeiros, mas é preciso ter massa cinzenta. E depois é preciso ter visão do mercado, internacionalizar e cooperar com empresas de fora. Na área da biotecnologia não há uma empresa que possa fazer sozinha um produto de A a Z. Precisa de componentes de outras empresas, de laboratórios. É uma área em que é preciso cooperar e não apenas competir. 

Que outras aplicações podem ter os recursos marinhos? 

Esta economia do mar permite utilizar os resíduos ou os subprodutos da indústria transformadora. Por exemplo, tudo aquilo que não é o filete do peixe – as cabeças, as vísceras, os ácidos gordos, a pele, as espinhas – pode servir para os produtos de biotecnologia. É algo que hoje em dia já é feito na Europa e mesmo nalgumas empresas em Portugal. Com isso estamos hoje a transformar aquilo que era um problema – resíduos que tinham de ter um tratamento para evitar a deterioração ambiental – em matéria-prima para áreas de menor valor acrescentado (como a farinha de peixe, por exemplo), e hoje queremos aplicar na cosmética, na farmacêutica ou até na nutracêutica. E onde o valor que era calculado à tonelada passa a ser calculado ao quilo ou à grama. Portanto, multiplicamos muitas vezes o valor desses subprodutos. A questão da economia circular anda de braço dado com a questão da economia azul. 

Outras áreas, como a exploração petrolífera offshore, não representam um grande perigo ambiental, como se viu no desastre da BP no Golfo do México?

Não posso concordar com a afirmação que está subjacente à pergunta. Por um lado, tem havido enormes progressos na investigação científica do mar, mesmo na área da modelação das correntes, das marés, das ondas. Portugal até é um país muito avançado nessa matéria. Depois tem havido muitos progressos na área do desenvolvimento de sistemas offshore, das estruturas, da sua flutuabilidade e resiliência. A Noruega, por exemplo, é um país absolutamente especializado no domínio dessas estruturas, onde as explorações de gás e petróleo já nem são, sequer, feitas através de plataformas. São feitas só através de instalações submarinas, que estão no solo, no leito marinho. E não conhecemos nenhum desastre ocorrido na Noruega. Há quem diga que o desastre da BP no Golfo do México surgiu por se ter passado por cima de muitas regras de boas práticas que existem.

Há também a questão dos biomateriais…

Estamos a começar a viver uma revolução biotecnológica. Neste momento, menos de 20% dos produtos manufacturados que consumimos têm componentes biotecnológicas. Mas todas as indicações vão no sentido de que, até 2030, esses menos de 20% passem para 50%. Vamos passar a vestir-nos com roupas com essas componentes, vamos usar sacos de plástico produzidos pela biotecnologia, de matérias naturais, orgânicas, não dependentes dos hidrocarbonetos. Todos os biomateriais vão reflectir-se pela biotecnologia. Poderemos dizer que chegámos finalmente a uma revolução em que pela primeira vez temos a matéria-prima sob o nosso domínio. Outro aspecto é que a biotecnologia precisa muito de massa cerebral, porque exige grande conhecimento. Ora, Portugal investiu muitíssimo, desde a Expo 98 e do Programa Dinamizador de Ciência e Tecnologia do Mar, nas ciências do mar. E hoje temos pólos de investigação e tecnologia do mar nas principais universidades portuguesas, com grande valia e com muitos recursos humanos. 

Mas com a perspectiva da crise e, sobretudo, de a recuperação ser muito lenta, que conselhos se pode dar a uma pessoa que vai entrar hoje para o ensino superior? Que áreas deve seguir para ir para o mar?

É uma pergunta que lança uma enorme responsabilidade sobre os ombros de quem responde [risos]. Primeiro, queria ter uma palavra de cautela. Hoje em dia, por se falar bastante de mar, já se começa a assistir, nalgumas áreas do conhecimento, a uma procura bastante mais elevada por parte dos candidatos a alunos. É importante compreender que neste momento não existe ainda um desígnio nacional para o mar. Todo o desenvolvimento que a biotecnologia teve, teve-a muitas vezes porque as pessoas foram empurradas pela crise para fundarem as suas empresas, criarem os seus trabalhos, os seus negócios. Eu diria aos leitores que tenham uma grande cautela antes de pensarem que vão para o mar e que vão arranjar um emprego, porque o mar continua a valer menos de 3% do PNB. 

E se partirmos do princípio que o desígnio virá aos poucos?

Partindo desse princípio, não teria dúvidas nenhumas. Se me perguntarem quais são as áreas que se vão desenvolver, não tenho dúvidas nenhumas que é a da biotecnologia do mar, da biologia aplicada, através de métodos tecnológicos ao desenvolvimento de aplicações na área da farmacêutica, da nutracêutica, da cosmética, dos biomateriais, das indústrias limpas, da bio-remediação e das energias renováveis, dos biocombustíveis. 

E nas pescas?

Também não tenho dúvidas de que a área da fileira do pescado em Portugal vai ser cada vez mais forte. Está a haver uma grande aposta do Governo na aquacultura, principalmente na de bivalves offshore. Portugal tem condições únicas para poder vir a ser um grande fornecedor de bivalves para a Europa – mexilhão, ostras, e até amêijoas ou vieiras no futuro. Acho que isso vai aumentar a capacidade da indústria transformadora. Basta dizer que nós, em 2004, vendíamos 200 milhões em exportações de pescado. Hoje em dia estamos a vender 900 milhões, quase mil milhões. Isto são 18% das exportações agro-alimentares portuguesas. É praticamente o que o vinho vende. Ninguém sabe isto.

De facto…

E há outros sectores que se vão desenvolver, como o sector portuário e outros, que com as políticas públicas adequadas, vão poder também desenvolver-se. Espero, por exemplo, que os transportes marítimos não continuem nesta decadência paulatina para sempre. Começámos a falar de mar em Portugal mais intensamente nos últimos quatro/cinco anos, mas pelo menos desde o relatório da Comissão Estratégica dos Oceanos – ou seja, desde finais de 2004/2005 – que o mar voltou à agenda nacional. Mas tem voltado de uma forma lenta. 

Como se interessou por esta área?

Tive formação em direito, sou jurista e entrei nesta área pelo direito do mar, da forma mais fortuita que se pode imaginar. Sou filho deste país e portanto cresci sem ter a mínima noção da importância do mar, como qualquer português da minha geração. Tenho 47 anos, cresci nos anos 70 e 80, sou um filho do PREC, como se costuma dizer. Toda a vida os políticos do meu país disseram que o país era pequenino, pobre e periférico, que não arrisca. E isso, de facto, é uma carga negativa com a qual os portugueses convivem diariamente, que nos corta muitíssimo a auto-estima e a ambição de querer chegar mais longe. 

Mas quando teve o clique?

Quando fui fazer um mestrado na London School of Economics em 1993. Entrei na aula de Direito do Mar e no fim pensava que ia só ver o que era, estava à procura das cadeiras que queria fazer, era um curso interuniversitário. E eu tinha cinco cadeiras para escolher, de um total de 85. Andava angustiadíssimo [risos]. Já tinha uma visão do que ia fazer, mas… E foi esse professor que me disse que Portugal tinha a maior ZEE da UE, que desconhecia em absoluto esse facto, que não tinha uma escola desenvolvida de direito do mar, e com isso não estávamos a acautelar os nossos interesses estratégicos. E como eu vinha de um país 'pequeno'… No meu tempo nós perdíamos até no futebol. 

Eram as vitórias morais…

Sim, mesmo nas grandes goleadas. A partir daí, não consegui mais trabalhar sem ser em função de uma agenda do mar. Trabalhei na ONU, fui membro do Conselho da Autoridade dos Fundos Marinhos, fui o representante de Portugal à assembleia geral da Convenção do Direito do Mar das Nações Unidas, e principalmente compreendi logo ali que há uma percepção externa altamente positiva que liga Portugal ao mar que nós, cá dentro, desconhecemos em absoluto. Ou seja, percebi que Portugal tinha capacidade de liderar processos internacionais. Ao invés de sermos um pequeno país terrestre passámos a ser uma grande nação oceânica, se nos quisermos ver dessa maneira. Deixamos de ser o país em que a terra acaba para ser o país em que o mar começa. 

ricardo.nabais@sol.pt