Fizeram-no no quadro da aliança Povo-MFA: bandos do PCP e da extrema-esquerda pararam com barricadas os acessos a Lisboa; pela noite, soldados do MFA invadiram as casas dos suspeitos de 'fascistas' e 'reaccionários'.
A Esquerda temia que a manifestação da maioria silenciosa, em Lisboa, desencadeasse um movimento popular que pudesse parar aquilo em que todas as 'forças democráticas' estavam de acordo: a saída de África e o avanço das 'conquistas revolucionárias'.
Nesse fim-de-semana, Soares e Cunhal estiveram de acordo: era preciso parar a reacção e, para o fazer, valia tudo. Sem qualquer respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e seguindo a 'legalidade revolucionária', procederam à captura de mais de duzentas pessoas.
Prisioneiros de Caxias, de Nuno Alves Caetano e com um lúcido prefácio de Nuno Rogeiro, recorda este episódio através das histórias de alguns desses presos políticos. Conheci, pessoalmente, muitos deles e fui – e graças a Deus sou – amigo de alguns. E conheci bem o episódio, num período negro da História de Portugal, esses meses entre Abril de 74 e Novembro de 75, em que se 'restaurou a liberdade' mas se liquidou o Império e se destruiu o tecido empresarial. E viu-se a Esquerda antifascista no poder sem contrapesos internos.
Entre os 'presos de Caxias' estavam portugueses de todas as condições, posições e gerações. Como o conde de Caria, o general Kaúlza de Arriaga, o embaixador Alberto Franco Nogueira e alguns ministros de Marcelo Caetano, estavam quadros dos partidos anticomunistas e jornalistas como Manuel Múrias, que escrevia no Bandarra. As listas tinham sido feitas para neutralizar a Direita e embora muitos de nós tivéssemos escapado à prisão, fomos forçados ao exílio e impedidos de lutar, em liberdade, pelos nossos princípios.
A democracia chegou assim e, na boa tradição de 'governo dos democratas', começou por calar e prender 'não-democratas'.
No meio da confusão e arranque do PREC, acolitado por uma imprensa histérica e dócil aos mandados e recados da esquerda radical, que pintava os horrores e detalhes da conspiração fascista, ficava bem claro que não haveria liberdade para os 'inimigos da liberdade'. E eram os antifascistas quem decidia quem era inimigo da liberdade ou fascista.
Os presos políticos – estes e outros – lá ficaram, e os pais fundadores da democracia não se preocuparam muito com eles. O país começava então uma caminhada que, 40 anos depois, nos trouxe aonde estamos: agora sim, somos um país triste, de soberania reduzida, em que as famílias vão empobrecendo, e as empresas, dos bancos à TAP, vão passando para as mãos dos estrangeiros.
Mas temos a democracia e estamos na Europa. Que mais queremos?