Os presos da democracia

Na noite de 27 para 28 de Setembro de 1974, as ‘forças democráticas’, receosas de uma inversão de marcha no PREC, decidiram neutralizar os responsáveis dos partidos, dos movimentos políticos e dos jornais da Direita.

Fizeram-no no quadro da aliança Povo-MFA: bandos do PCP e da extrema-esquerda pararam com barricadas os acessos a Lisboa; pela noite, soldados do MFA invadiram as casas dos suspeitos de 'fascistas' e 'reaccionários'. 
A Esquerda temia que a manifestação da maioria silenciosa, em Lisboa, desencadeasse um movimento popular que pudesse parar aquilo em que todas as 'forças democráticas' estavam de acordo: a saída de África e o avanço das 'conquistas revolucionárias'.

Nesse fim-de-semana, Soares e Cunhal estiveram de acordo: era preciso parar a reacção e, para o fazer, valia tudo. Sem qualquer respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e seguindo a 'legalidade revolucionária', procederam à captura de mais de duzentas pessoas.

Prisioneiros de Caxias, de Nuno Alves Caetano e com um lúcido prefácio de Nuno Rogeiro, recorda este episódio através das histórias de alguns desses presos políticos. Conheci, pessoalmente, muitos deles e fui – e graças a Deus sou – amigo de alguns. E conheci bem o episódio, num período negro da História de Portugal, esses meses entre Abril de 74 e Novembro de 75, em que se 'restaurou a liberdade' mas se liquidou o Império e se destruiu o tecido empresarial. E viu-se a Esquerda antifascista no poder sem contrapesos internos. 

Entre os 'presos de Caxias' estavam portugueses de todas as condições, posições e gerações. Como o conde de Caria, o general Kaúlza de Arriaga, o embaixador Alberto Franco Nogueira e alguns ministros de Marcelo Caetano, estavam quadros dos partidos anticomunistas e jornalistas como Manuel Múrias, que escrevia no Bandarra. As listas tinham sido feitas para neutralizar a Direita e embora muitos de nós tivéssemos escapado à prisão, fomos forçados ao exílio e impedidos de lutar, em liberdade, pelos nossos princípios.

A democracia chegou assim e, na boa tradição de 'governo dos democratas', começou por calar e prender 'não-democratas'.

No meio da confusão e arranque do PREC, acolitado por uma imprensa histérica e dócil aos mandados e recados da esquerda radical, que pintava os horrores e detalhes da conspiração fascista, ficava bem claro que não haveria liberdade para os 'inimigos da liberdade'. E eram os antifascistas quem decidia quem era inimigo da liberdade ou fascista. 

Os presos políticos – estes e outros – lá ficaram, e os pais fundadores da democracia não se preocuparam muito com eles. O país começava então uma caminhada que, 40 anos depois, nos trouxe aonde estamos: agora sim, somos um país triste, de soberania reduzida, em que as famílias vão empobrecendo, e as empresas, dos bancos à TAP, vão passando para as mãos dos estrangeiros.

Mas temos a democracia e estamos na Europa. Que mais queremos?