A impaciência de Job

Na Bíblia, Job é uma personagem que se vê sem família, saúde e dinheiro, mas aceita as adversidades e não perde a fé. Por isso, Deus recompensa-o com o que perdeu, em dobro. O Fim das Possibilidades, a produção própria do Teatro Nacional S. João (TNSJ) em 2015, tem no seu centro um Job moderno…

A história deste “vencido com orgulho de vencedor” é o fio condutor do espectáculo encenado por Nuno Carinhas, director artístico do TNSJ, e pelo seu homólogo Fernando Mora Ramos, do Teatro da Rainha, que encarna o próprio Satã. O texto do dramaturgo francês Jean-Pierre Sarrazac, apresentado em estreia mundial, captou desde o “primeiro minuto” a atenção de Carinhas. “Tem uma forma rapsódica, porque são 18 cenas construídas de forma muito diversa, como se cada uma fosse ela própria uma peça. O tema cruza-se com a crise e a realidade social e política, de uma forma muito efabulatória”, explica ao SOL.

Tudo começa com uma conversa entre Deus e o Diabo, que tem permissão para infligir sofrimento a Job, porém sem o matar. Trata-se de uma metáfora que reflecte o dia-a-dia dos desempregados ou trabalhadores precários – é uma situação que não mata, mas mói. “Satã pretende arranjar um sítio para isolar os seres mais fracos, que é algo que está mais do que na ordem do dia. Se as pessoas não têm capacidade para serem activos, são chutadas para canto”, sublinha Nuno Carinhas.

O Fim das Possibilidades – que estreia hoje no TNSJ, às 21h, e estará entre 10 e 19 de Abril no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, e a 29 e 30 de Abril no Centro Cultural e de Congressos das Caldas da Rainha – aponta o dedo ao liberalismo económico, mas não oferece uma resposta fácil. Ou não fossem Deus e o Diabo, no espectáculo, quase duas faces da mesma moeda.