Foi às quatro e meia da tarde do dia 5 de Julho de 2005 que o ensaio da companhia foi interrompido para a leitura de um comunicado da direcção da Fundação Calouste Gulbenkian. O BG ia acabar. Não dali a seis meses ou um ano. Imediatamente. Assim. Sem pré-aviso. De um dia para o outro, perto de 30 bailarinos deixaram de fazer parte de uma família criativa para se precipitarem no vazio. Como se o chão desaparecesse por debaixo dos pés. Pés que toda a vida dançaram. De um momento para o outro, terminavam 40 anos da história da dança em Portugal.
Chegava ao fim uma companhia fundada em 1965 e que, ao longo da sua existência, levou a cena mais de dois mil espectáculos de nomes maiores da dança portuguesa e internacional, como Carlos Trincheiras, Vasco Wellencamp, Olga Roriz, Rui Horta, Vera Mantero, Jorge Salavisa, Lar Lubovitch, Hans van Manen, Jiri Kylian, Mauro Bigonzetti, Nacho Duato, Ohad Naharin ou William Forsythe.
À data da extinção, a Fundação defendia que o panorama da dança em Portugal estava diferente, que estavam a surgir muitas companhias independentes, as quais passaria a apoiar. O tempo prova que não foi isso que aconteceu. A maioria dessas companhias desapareceu. E mesmo os maiores coreógrafos nacionais, como Olga Roriz, Rui Horta, Vasco Wellencamp ou Paulo Ribeiro, lutam para se manterem à tona de água.
Ainda assim, a Fundação mantém que “as razões que levaram à extinção do BG mantêm-se plenamente actuais”. E mais, assegura que o modelo de apoio à dança que criou, logo em 2005, através do Programa de Apoio à Dança, tem garantido que a instituição continue a patrocinar fortemente a dança: “O montante total dos apoios concedidos nestes dez anos ultrapassou um milhão e 200 mil euros. A Fundação apoia ainda a formação de jovens bailarinos, através de bolsas que atingiram um valor superior a 700 mil euros no mesmo período”. Em 2003, o BG tinha 66 trabalhadores e um orçamento anual de 2,7 milhões de euros, um valor consideravelmente superior ao total investido na última década.
O mesmo discurso, no entanto, é partilhado pelo actual secretário de Estado da Cultura. Jorge Barreto Xavier alega que “Portugal continua a estar bem representado na área da dança, seja através do trabalho produzido pela CNB, seja através de entidades e companhias de dança independentes”, acrescentando que, desde 2011, foram apoiadas, através dos Programas de apoio da Direcção-Geral das Artes, “126 entidades na área da dança, num montante de investimento total de mais de 5,8 milhões de euros”.
A verdade, porém, é que desde a extinção do BG nunca mais Portugal viveu a pujança criativa, no que à dança contemporânea diz respeito. Ficou um vazio. O tal vazio que não se preenche. Mas que se pode amainar, pelo menos ao longo das duas horas que dura esta Homenagem ao Ballet Gulbenkian – dançada por um elenco pujante da CNB que, na maioria, eram ainda crianças quando o BG terminou. Ao longo de duas horas recorda-se o perturbador pas-de-deux Twilight, de Hans van Manen, e o elogio da loucura que é Minus 16, de Ohad Naharin – dois criadores que colaboraram amplamente com o BG. Mas recorda-se também Treze Gestos de um Corpo, de Olga Roriz, que celebra em 2015 40 anos de carreira, 19 dos quais no BG.
A completar esta viagem, Vasco Wellencamp apresenta a única criação inédita deste espectáculo. Um desafio que se revelou muito doloroso, o de reviver o amor da sua vida, a bailarina Graça Barroso, sua companheira durante 36 anos, que morreu em 2013. “A CNB pediu-me que recriasse um dueto que eu criei e que dancei com a Graça há 25 anos e que foi muito marcante para a dança, mas também para o nosso amor…”. Recusou. “Não senti forças para o fazer. Por isso propus fazer uma obra nova mas que fosse uma homenagem ao BG e à Graça, que foi um pilar da companhia”. Assim nasceu Será que é uma Estrela, uma história de amor dançada, acompanhada, em palco, pela cantora Maria João e pelo pianista João Farinha. Ao som das canções de Edu Lobo, Chico Buarque, Tom Jobim e Vinicius de Moraes, que Vasco e Graça ouviam juntos, revive-se um grande amor. E tenta-se preencher vazios que não se preenchem.