O Estado Islâmico, com a sua rápida ascensão, a sua brutalidade, a sua crueldade, a sua capacidade de encontrar adeptos – desde os jovens muçulmanos europeus aos movimentos jihadistas de África ou da Ásia Central que lhe juram fidelidade – é um destes perturbadores de certezas adquiridas.
Os grandes clássicos do pensamento político, como Tucídides, Maquiavel e Thomas Hobbes, não se surpreenderiam: tinham criado cânones de interpretação da realidade que permitiam esclarecer estas contradições e surpresas do comum. Isto porque se fundamentaram numa antropologia e numa política realistas.
Quando, em Agosto do ano passado, a cidade de Amerli, no Norte do Iraque, foi atacada e cercada pelos combatentes do ISIS, a chave da resistência vitoriosa ao ataque esteve na colaboração entre a Força Aérea norte-americana e as forças iranianas, chefiadas pelo famoso Qassem Suleimani, o comandante da Força Quds dos Guardas Revolucionários. Suleimani é um operacional conhecido pela sua carismática liderança, desde os tempos da guerra Irão-Iraque.
Mas a presença dos Guardas Revolucionários do Quds como aliados objectivos dos norte-americanos tem causado surpresa e escândalo nos Estados Unidos, sobretudo nos círculos neoconservadores, que agora, nervosos com as negociações Irão 5P+1 sobre o programa nuclear de Teerão, foram ao ponto de avalizar a presença do primeiro-ministro de Israel, Netanyahu, no Congresso de Washington, para criticar a política de Obama. Incomodam-se com quaisquer desvios à política do maniqueísmo ideológico que vêm pregando e seguindo, e que tantos danos tem causado aos interesses euro-americanos que pretendem defender e aos povos do Médio Oriente.
Na presente conjuntura, quando há o risco de um conflito sério entre o Islão e o Ocidente, um conflito gerado por percepções erradas, o realismo estratégico é uma exigência de vida ou de morte.
O Estado Islâmico, ao obrigar a uma política de contenção, provocou reacções inesperadas mas positivas, como a de Amerli. Também a repulsa e o terror que inspira, leva a estas alianças de contrários, não só dos Estados Unidos com o Irão, mas à aproximação dos sauditas com os iranianos.
A situação continua a exigir o maior e mais frio realismo e cálculo da estratégia a seguir e das alianças a traçar. E o problema principal é até que ponto os Estados mais directamente visados pela ameaça e os próprios Estados Unidos vão achar que o desafio merece que se esqueçam outros antagonismos.
Identificar o inimigo principal e contra ele juntar o máximo de outros 'inimigos' possível, é outra das lições do realismo.