O animal que há em nós
Chelsea Wald, uma cientista que gosta de fazer jornalismo, escreveu no site Nautilus sobre a impaciência e conta que, desde que éramos primatas, temos este parente da ansiedade nos genes. Era uma maneira de medir o tempo a dedicar a uma actividade sem pôr em risco a nossa sobrevivência. Por exemplo, perseguir uma presa. Estar à espera era um preço a pagar por uma recompensa com prazo de validade. Esperar demasiado podia significar a morte do artista. Já não temos este problema mas continuamos a sofrer quando o que queremos tarda em chegar. Pode ser na fila da caixa do supermercado, pela mesa no restaurante ou no consultório médico onde esperamos ser atendidos. Mas o mais interessante é a tecnologia ter trazido uma velocidade de resposta nunca antes vista. Apesar de a internet ter chegado há pouco às nossas vidas, quando uma página não abre imediatamente ficamos com vontade de dar um safanão ao computador. E ainda dizem que não somos primatas.
Terceira
A segunda temporada de House of Cards foi mais maquiavélica do que a primeira e ultrapassou o original britânico com o divertido Ian Richardson no papel de Francis Urquhart, nome macbethiano que passou a Frank Underwood na versão americana. Havia expectativas para a terceira temporada, mas ao segundo episódio parece que não voltaremos a ter as alegrias que a série nos deu. Num artigo no Washington Post são referidos vários 'disparates', que fazem de House of Cards “a pior série de sempre sobre política americana”. Mas dizer que a mulher do Presidente dos Estados Unidos nunca seria nomeada como Embaixadora das Nações Unidas não é uma crítica válida sobre uma série de ficção. É até um disparate. Ou será que havia a expectativa de haver tomadas de poder na Casa Branca como a que fez o casal Underwood? Não é por estar longe da 'realidade' que House of Cards me parece pior agora. É por os dois vilões estarem transformados num casal à procura de emprego.
O tom judeu
A terceira edição da Judaica, festival de cinema e cultura organizado por Elena Piatok, trouxe ao Cinema São Jorge um documentário de Michael Kantor sobre a herança judaica na Broadway. Broadway Musicals: A Jewish Legacy mostra como uma arte que reconhecemos como americana foi inventada pelos judeus emigrados nos Estados Unidos. Kurt Weill, autor da conhecida Ópera dos Três Vinténs, partiu para a América no dia em que Hitler ganhou as eleições na Alemanha. Mas muitos outros, como Irving Berlin, Jerome Kern, George e Ira Gershwin, Lorenz Hart, Richard Rodgers e Oscar Hammerstein II já lá estavam. Weill teve dificuldade em ser aceite porque era 'demasiado judeu' para Hollywood, uma observação que tem uma história sobre 'o tom judeu' mencionado pelos entrevistados como um factor distintivo nos musicais, reconhecível em temas como 'It Ain't Necessarily So' do Porgy and Bess de Gerschwin. A RTP podia comprar este documentário para eu ver outra vez.
Não ceder
Sadie Stein escreve sobre 'pequenas coisas' na revista The Paris Review. Como é comum acontecer, parece que escreve sobre pormenores ou aspectos da vida quotidiana, quando na verdade o que faz é não escrever sobre temas da actualidade. Num texto sobre timidez, Stein refere a dificuldade de em miúda conseguir relacionar-se com os colegas de escola e de optar pelo aparente conforto da solidão. A mãe explicava o comportamento como 'timidez', como se fosse natural e houvesse pouco a fazer. As coisas começaram a mudar quando o pai lhe disse que toda a gente era assim, mas alguns 'não cediam à timidez'. A vida mudou a partir daí. O medo de entrar numa sala cheia de gente não desapareceu por completo, mas passou a estar menos presente. Também não lhe aconteceu passar ao extremo de ser uma pessoa exuberante (por vezes secretamente as mais tímidas). Simpatizei com o tema. A timidez não é uma doença, mas tem cura. E a vida melhora quando desaparece.