A arte da prótese

Imagine que de repente pode simplesmente desmontar o seu dedo para retirar de lá um fósforo, enquanto aponta um laser incorporado no seu pulso. Acha que isto só é possível nos filmes do Inspector Gadget? Está enganado. A luso-descendente Sophie de Oliveira Barata fabrica próteses à medida da imaginação dos seus clientes. Todo o processo…

As suas criações adquiriram notoriedade quando começou a trabalhar com a cantora e modelo Viktoria Modesta. Procurava alguém que pudesse usar alguns looks peculiares e descobriu-a na capa da revista Bizarre. “A Viktoria era a modelo ideal porque vê a sua prótese como um acessório”, explica Sophie à Tabu.

 O videoclip da música 'Prototype', lançado em Dezembro de 2014 em colaboração com o Channel 4, tornou-se viral depois de interromper a transmissão do programa X Factor do Reino Unido. Nele, a artista aparece com a spike leg (perna-pico) que lhe valeu a alcunha de 'Mulher Biónica'. Hoje é considerada a primeira pop star amputada. “A spike leg foi inspiração da própria Viktoria, ela sonhou com isso”, revela Sophie. “De todas as pessoas que conheço, ela é a que usa sapatos com os saltos mais altos. Penso que se queria desafiar a ela própria a ter de usar o salto mais alto alguma vez visto. Para ela, é símbolo de feminilidade, sexualidade e poder”.

Das próteses realistas às peças de arte

Antes de se lançar – e inventar – no mundo das próteses alternativas, Sophie começou por fabricar membros realistas na empresa RSL Steeper. “Eles tinham um departamento dedicado à silicone e foi aí que aprendi a fazer dedos, mãos, pés e coberturas de braços e pernas. Até cheguei a fazer um rabo!”, recorda.

Antes disso, terminou os estudos em  Próteses para Filmes e Televisão, na Universidade de Artes de Londres. Começou por fazer peças para museus, como o Madame Tussauds, mas foi sob inspiração de um amigo do seu irmão que pensou que seria mais gratificante e desafiador fabricar próteses realistas para pessoas e situações reais.

Foi o caso de Pollyanna Hope, nessa altura a sua cliente mais nova, que perdeu uma perna aos dois anos de idade num acidente. Sophie fabricava-lhe uma perna realista todos os anos, de forma a acompanhar o seu crescimento e numa das consultas a menina pediu-lhe para fazer algo diferente. A aventura começou com desenhos de porquinhos a comerem gelado e a andarem de bicicleta e a partir daí foi um pequeno passo até a paciente querer fotografias da família impressas na sua perna.

Inspirada a desenvolver próteses com um design inovador, Sophie criou em Setembro de 2011 a sua própria empresa, The Alternative Limb Project, em Londres. Desde então, tem recebido pedidos “de toda a parte do mundo, como Papua-Nova Guiné”. E como o cliente participa na concepção da sua prótese, os desafios têm sido constantes. “Hoje em dia as pessoas personalizam tudo. Isto faz com que tenhamos uma ligação pessoal com as coisas de que gostamos. Faz sentido fazermos o mesmo com algo tão íntimo como uma parte do nosso corpo, principalmente quando temos de nos adaptar a usá-la”.

Ao contrário do que acontece nas próteses realistas, que são uma reprodução em silicone exacta da forma, cores e textura do membro saudável, os materiais utilizados no fabrico da prótese alternativa variam tanto como a imaginação de cada um, podendo utilizar madeira, vidro e metal. A perna que Viktoria Modesta utilizou em 2012 na cerimónia de encerramento dos Jogos Paraolímpicos foi mesmo construída com cristais Swarovski.

Sophie refere também a 'perna anatómica' de Ryan Seary, ex-militar que perdeu a perna e o braço esquerdo numa missão de alto risco em Babaji (Afeganistão), como uma das que mais gostou de fabricar, “por ter sido muito desafiante”. Os pormenores hiper-realistas integrados na perna falsa tendem a confundir quem olha pela primeira vez. Cabelos do próprio paciente foram usados para imitar pêlos nos dedos do pé.

Constrangimento vira curiosidade

O cliente colabora no projecto da forma que quiser. Alguns chegam até Sophie com ideias muito específicas sobre o que pretendem, quer a nível da aparência, quer das funções inseridas na prótese. “Houve uma pessoa que me pediu que fizesse uma perna com gavetas no seu interior para guardar o isco dos peixes, e que pusesse ganchos de lado para segurar a cana de pesca”, contou. Actualmente está a trabalhar com um artista 3D e com um programador num braço com um design futurista, que terá funções… isso mesmo. Alternativas.

A criatividade colocada esbate as fronteiras entre a medicina e a arte surrealista. Cada peça deixa de ser apenas uma prótese, passando a ser um acessório e ornamento do corpo. Contribui assim para que a pessoa se sinta bem com a sua diferença e esteja à vontade para a mostrar, em vez de a esconder. “Normalmente isto faz com que as pessoas se mostrem curiosas e comecem a fazer perguntas, em vez de ficarem com pena e de evitarem falar do assunto”.

simoneta.vicente@sol.pt