Malaparte viveu intensamente esse meio século decisivo que viu o fim do 'mundo de ontem', de que falava Stefan Zweig, e foi uma testemunha desses anos de guerra civil europeia. Como se conta na biografia de Maurizio Serra (Malaparte, Poche, Paris, 2011), Kurt ou Curzio nasceu em Prato, no coração da Toscânia, foi voluntário na guerra nos Dolomitas, esteve nas esquadras fascistas na curta guerra civil e na vanguarda do jornalismo e da intriga política do Vinténio. Esteve depois na negação de tudo isto, a partir de 45.
O fascismo e o antifascismo foram a sua condição. Tinha pouco mais de vinte anos quando se inscreveu no Partido Nacional Fascista, uma empresa de fé, risco e brutalidade. Se bem que o seu temperamento aventureiro e efabulador aconselhe reserva quanto às proezas autobiográficas relatadas, não restam dúvidas de que andou na linha da frente, do risco, embora não partilhasse o poder senão quando afrontou os grandes – Balbo e o próprio Mussolini – e perdeu.
Mussolini protegeu-o quase sempre, ainda que discretamente: admirava-lhe o talento de jornalista e polemista mas não o considerava de confiança política, nem lhe conferia o estatuto intelectual que atribuía a Gentile ou a Pirandello.
Com curiosidade, sede de imprevisto e temeridade, Malaparte aproveitou o estatuto que o círculo social do poder e a fama literária lhe garantiam para ficar na roda dos grandes protagonistas, mas manteve sempre uma ligação aos médios e aos pequenos, às 'bases'. E deixou bons retratos da época: de Mussolini, de Lenine, da Rússia Soviética e sobretudo da sua Itália e da sua Toscânia, antes, durante e depois do fascismo.
Ficará sobretudo conhecido pela Técnica do Golpe de Estado e pelos seus dois romances da Europa em guerra: Kaputt e A Pele. São duas faces da Europa destruída e da Europa ocupada. Em Kaputt – a palavra alemã vem do ídiche kopparot, vítima, e significa destruído, desfeito – Malaparte viaja com os alemães de Hitler, uma jornada dantesca, como todas as viagens ao fim da guerra. Os ocupantes são como Hans Frank, governador-geral da Polónia, que toca Brahms e espingardeia judeus no gueto de Varsóvia, ou Himmler, na sauna na Finlândia. A Pele começa na libertação de Nápoles pelos americanos, com a sua moral de bons rapazes vencedores, comprando as mulheres com chocolates e cigarros e destruindo o Palácio Real, escapado às bombas, para fazer dele um quartel – os salões dourados transformados em cozinhas, banheiros e latrinas.
Ao ler estas memórias, percebe-se que o medo a tudo isto tenha feito os europeus renunciarem à força e aos seus senhores, deixando o Ferro e entregando-se aos poderes do Ouro e do euro. Sempre é uma atenuante.