Em Viseu, a Câmara emitiu uma licença a um proprietário florestal da freguesia de Santos Evos para realizar uma queima de sobrantes florestais – procedimento que não necessita de licenciamento, mas que a autarquia emitiu e cobrou. A queima, feita a 16 de Março, transformou-se num violento incêndio, obrigando à mobilização de 100 bombeiros e 27 veículos, numa zona de densa floresta contígua ao terreno. Quando a patrulha ambiental da GNR foi analisar as causas do fogo, rapidamente constatou que o responsável pelo incêndio era o proprietário do terreno e que tinha uma licença municipal. O homem foi constituído arguido e o caso remetido ao Ministério Público: mesmo licenciado, foi indiciado num crime de fogo florestal por negligência.
Segundo fonte oficial da GNR, ”a queima de sobrantes agrícolas não precisa de licenciamento municipal”. Por outro lado, se a autarquia viseense licenciou a queimada, isso “obrigava à presença dos bombeiros, o que também não aconteceu”. Na prática, o município, à semelhança de outros que têm feito o mesmo, “cobra por um serviço que não presta uma vez que o licenciamento administrativo apenas é necessário para fogueiras, lançamento de foguetes e queimadas”.
O que diz a lei
O município, que não prestou esclarecimentos sobre o sucedido, não tem sequer a possibilidade de cobrança desta taxa no regulamento municipal.
Diz o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas que uma queima “é quando se utiliza o fogo para eliminar sobrantes de exploração agrícola ou florestais, que estão cortados e amontoados”. Já uma queimada é “quando se usa o fogo para renovação de pastagens e eliminação de restolho e ainda para eliminar sobrantes de exploração agrícola ou florestal”.
Desde a última revisão, em 2005, a lei prevê que é necessária licença apenas para a realização de fogueiras e queimadas, obrigando nestes casos à presença de bombeiros. Já a realização da queima de sobrantes florestais não precisa de licença.
Mas, à semelhança do que aconteceu em Viseu, são muitas as autarquias que emitem licenças – incluindo para fogueiras, como as de Natal e dos santos populares – com a ressalva de que os pedidos serão observados pelos técnicos florestais (que as proíbem nos meses de Verão e nos dias em que o risco de incêndio seja de nível elevado) e não acautelam a presença dos bombeiros. Na maioria dos casos, os municípios cobram valores que oscilam entre os cinco e os 30 euros.
Apesar das cautelas e das alterações legais, as queimadas continuam a ser um problema – e foram responsáveis por muitos dos fogos que surgiram nos últimos dias. Segundo a GNR, só no distrito de Viseu foram registados este ano, até Março, 271 incêndios, tendo sido identificadas 42 pessoas pela sua autoria, por negligência – um crime punido com pena até três anos de prisão ou multa. O número cresceu com o calor dos primeiros dias de Abril: no último fim-de-semana, segundo a Autoridade Nacional de Protecção Civil, registaram-se em todo o país 225 fogos, quando até Março tinham-se registado este ano mil fogos.
Em Sever do Vouga, no último fim-de-semana, o fogo queimou mais de 1.000 hectares e a Polícia Judiciária identificou o causador das chamas: um homem que terá tentado limpar, com fogo, um terreno de onde tinha vendido madeira, situado junto a uma mancha florestal para onde as chamas rapidamente alastraram. Os sobrantes estavam amontoados e de acordo com a PJ o suspeito cometeu um único erro: as queimas não podem ser feitas a menos de 300 metros da floresta. Não foi o caso e o homem foi detido, na segunda-feira, levado a tribunal e sujeito a termo de identidade.
O incêndio consumiu “mais de mil hectares de floresta, colocou em perigo inúmeras casas que os bombeiros só a muito custo conseguiram proteger, chegando a estar uma aldeia completamente cercada pelas chamas, o mesmo acontecendo com um grupo de bombeiros aquando do combate”, relembra a PJ