Os fios que tecem a filigrana

Luís Antunes lembra-se de mal chegar às mesas da fábrica de família, mas já ter, nessa altura, um enorme fascínio por aquilo que o avô Eleutério ali fazia. De tal forma, que acabou por ser presenteado com a sua própria banca de trabalho. “O meu avô dava-me prata e cobre para eu poder ir treinando…

Desde essa altura que Luís parece ter ficado com a sua vida definida. Cresceu e mal terminou o 12.º ano de escolaridade ocupou o seu lugar na fábrica. E todos os dias, ao chegar a casa de mais uma jornada de trabalho, via o avô à janela de casa. Queria saber como tinha corrido o dia. “Tal como o meu pai, passei por várias áreas da fábrica e estou à frente da parte comercial desde os 23 anos. E já tenho 50”.

Agora acompanhado pela irmã, Rosa, responsável pelo gabinete de design, os dois irmãos vivem dedicados a preservar o espírito do avô e do próprio pai, numa fábrica que este ano celebra nove décadas. Mas também a preservar aquela que é a maior tradição da joalharia nacional: a filigrana.

Foi o avô Eleutério Antunes que, em 1925, fundou a Eleutério, a partir de Travassos, uma localidade de Póvoa do Lanhoso, no Norte de Portugal, considerada terra do ouro e capital da filigrana. A região onde ainda hoje é a sede da empresa. Desde o arranque que a marca se especializou no trabalho em filigrana, uma arte que remonta ao século XVIII, da qual o fundador da marca era perito. Em 1966, foi Eleutério Tavares que criou uma réplica do Castelo de Póvoa de Lanhoso decorada em filigrana de ouro para ser apresentada ao então Ministro das Infra-estruturas Públicas da República de Portugal. Anos mais tarde, em 1982, criou um coração de Viana em filigrana de ouro para ser oferecido ao Papa João Paulo II aquando da sua visita a Portugal.

Apesar de não ser um exclusivo nacional, a filigrana tornou-se a referência da joalharia portuguesa devido às suas características únicas. “A filigrana portuguesa tem uma malha menos aberta, os fios de ouro são muito finos e trabalhados com mais pormenor e minúcia. Justamente por isto achamos que é necessário criar uma entidade que certifique esta técnica completamente manual e que faz parte da história da joalharia portuguesa”.

Ainda assim, e à semelhança de tantas outras tradições nacionais, também a filigrana esteve durante anos arredada das preferências mais modernas dos portugueses. “Havia um certo estigma. Diziam que a filigrana era só para os mais humildes ou para a gente do Norte. Tinha a ver com o facto de as peças serem muito leves”. Nos últimos anos, no entanto, houve um recuperar de vários símbolos da cultura portuguesa e, de repente, regressaram os corações e as contas de Viana, símbolos maiores da utilização da filigrana.

Os dois irmãos sentiram-se motivados para dar um novo fôlego à fábrica, através de um design mais contemporâneo, diferente do tradicional, e também um reposicionamento da marca. “Fomos pioneiros, por exemplo, no uso de diamantes e do ouro branco no trabalho da filigrana. Com 90 anos, queremos consolidarmo-nos como uma marca internacional de luxo e ter peças em filigrana ao lado das grandes marcas de joalharia do mundo”, assegura Luís, recordando que, depois de ter exposto no Museu Britânico, em Londres, actualmente vende em países como Rússia, Polónia, Inglaterra e EUA.

Para tal, a Eleutério conta actualmente com 60 funcionários, mas apenas seis artesãos. No entanto, Luís Antunes recupera um desejo do avô e sonha ter uma fábrica com mais de 100 artesãos, apenas dedicados à arte da filigrana. E tal parece não ser impossível, já que nos últimos anos tem descoberto que “há jovens interessados em trabalharem com filigrana e ainda bem que assim é, caso contrário perderíamos esta arte, até porque os mais velhos chegam a uma certa fase da vida e já não conseguem fazer filigrana”. Os olhos e as mãos menos firmes não o permitem.

raquel.carrilho@sol.pt