Mas a obrigação que temos de reconstruir as nossas cidades, em especial as cidades onde gostamos de viver, implica a adopção de uma série de preocupações de sustentabilidade, desde logo inerente à nossa consciência de cidadãos – também digo que não somos suficientemente ricos para podermos dar-nos ao luxo de deixar degradar a enorme riqueza patrimonial que fomos construindo ao longo do tempo.
Tudo isto, em boa verdade, implica uma profunda mudança de mentalidades tão necessária até para gerar outros comportamentos e outras atitudes que propiciem maior produtividade, considerando vectores tão indispensáveis como os que se prendem com poupanças de energia ou com outras preocupações ambientais, questões crescentemente presentes no âmbito da Reabilitação Urbana.
O quadro de referência dos apoios comunitários, em vigor até 2020, privilegia fortemente a reabilitação das cidades e quem estiver preparado para acompanhar essa dinâmica pode beneficiar melhor desses apoios e, consequentemente, proporcionar às populações residentes outra qualidade de vida, num processo que também contribuirá para a significativa diminuição do desemprego no sector imobiliário.
A degradação do centro das nossas cidades em competição com as muitas periferias e outras tantas periferias de periferias também caracterizadas pela desumanização urbana foi – não o esqueçamos – responsável pelos estúpidos gastos que os diários movimentos pendulares das periferias para o centro e do centro para as periferias implicaram. O futuro só aceita instalar-se em espaços urbanisticamente agradáveis.
Numa cidade com um centro histórico reabilitado e habitado, num centro urbano que tenha vida própria do amanhecer ao entardecer e de noite, que não se limite a ser um código postal de serviços, os cidadãos estão seguramente mais disponíveis para a tarefa colectiva de fazer renascer a nossa Economia, começando pela própria autoestima que se instala quando habitamos bem.
Riscos de gentrificação
Claro que a necessidade da Reabilitação Urbana, nomeadamente quando ela surge tardiamente, corre o risco de acentuar fenómenos como o da gentrificação, um clássico risco colateral para residentes e comércio tradicionais se a própria dinâmica da Reabilitação não tiver em conta esse equilíbrio e o direito à cidade de quem nela sempre viveu.
Ainda há dias defendia que o desenvolvimento que a Reabilitação dos Centros Urbanos leva às cidades, nomeadamente através do Turismo residencial, tem de ter tudo isto em conta, sublinhando, por exemplo, os legítimos direitos de quem vive na cidade o ano todo e não deve ser obrigado a suportar, o ano todo, o barulho nocturno de sucessivas ondas de turistas cativados pelas dinâmicas de pólos urbanos reabilitados que possam virar moda.
As casas, como as árvores, também morrem de pé, mas a morte das casas pode ser adiada se não fingirmos que estão vivas quando estiverem a sofrer agonias quase invisíveis que destroem as cidades por dentro. É isso que se exige da Reabilitação Urbana, sem descurar efeitos colaterais adversos. Isso e uma atenção, sem hipocrisias, à sustentabilidade das próprias cidades, em termos energéticos e ambientais.
No septénio que acabará em 2020, o previsível último período de maior atenção europeia às suas periferias, as nossas opções serão decisivas para o dilema que se nos coloca e que se traduz na certeza de termos de reabilitar as cidades se não quisermos que elas acabem por morrer, já não apenas em escombros que ainda poderão, aqui ou além, aguentar-se de pé.
Não basta aumentar o espaço vital da habitação por habitante, numa relação que aumentou muito nos últimos anos. Não basta redesenhar a área útil das habitações, das casas novas e das casas reconstruídas, tornando-as maiores e para menos gente… Nem basta dotar as casas que queremos habitar de maiores acessibilidades, nos mais diversos pormenores.
Mais do que reabilitar é preciso saber reabilitar, conjugando a reabilitação urbana com a regeneração urbana, olhando para as questões que se colocam a montante e a jusante da vida nas cidades. O segredo é reabilitar para a cidadania e isso é muito mais do que a escolha dos materiais da habitação, mesmo considerando a respectiva fiabilidade e durabilidade.
* Presidente da CIMLOP – Confederação da Construção e do Imobiliário de Língua Oficial Portuguesa