200 anos de Bismarck, o conservador exemplar

Bismarck nasceu há duzentos anos, no ano em que as águias napoleónicas ficavam para sempre enterradas na ‘triste planície’ de Waterloo e o Congresso de Viena definia uma nova ordem na Europa. Uma ordem de paz que duraria um século.   

O Junker prussiano, a quem se deveria também a conservação dessa ordem, via a luz em 1815, na cidadezinha de Schönhausen, na Saxónia-Anhalt. A Prússia, depois da humilhação de Iena, fora despertada pelo espírito dos manifestos e discursos de Herder e de Fichte e a acção de militares como Gneisenau e Clausewitz; o reino voltava a ter uma palavra importante no concerto europeu, como no tempo do Grande Frederico, e preparava-se para 'fazer a Alemanha'.

Bismarck foi a figura central dessa ascensão da Prússia como poder hegemónico e unificador, graças a um misto de força e inteligência, de brutalidade e de astúcia, de guerra e de diplomacia. Para isso o chanceler contou com a confiança de Guilherme I e com a colaboração do 'velho' von Moltke, enquadrando as ambições de uma burguesia depois retratada na ficção dos irmãos Mann.

Uma série de guerras relâmpago, entre 1862 e 1871 – campanhas contra a Dinamarca, a Áustria e finalmente contra a França – marcariam a marcha no terreno. A surpresa das vitórias prussianas ficou bem retratada na famosa exclamação do cardeal Antonelli, secretário de Estado do Vaticano, ao saber da derrota dos austríacos em Sadowa: «Casca il mondo!» (É o fim do mundo!). 

Talvez fosse. Mais surpreendente seria a derrota de Napoleão III em Sédan, que determinaria o destino geopolítico da França até hoje. Mas uma vez adquirido este poder e realizada a reunificação, Bismarck, um verdadeiro conservador, percebeu que a Alemanha, para o próprio bem e para bem de todos, teria de autocontrolar-se e autolimitar-se. Daí a geometria variável do novo equilíbrio europeu para Berlim: uma aliança 'ideológica' com a Rússia e a Áustria e relações de realpolitik com o Reino Unido e a França. À França, Bismarck encorajá-la-ia a compensar-se além-mar do que perdera na Europa; ao Reino Unido, fá-lo-ia compreender que a Alemanha não era uma concorrente nem no Oriente, nem no mar. Tudo isto funcionou até 1890.

A tragédia de Bismarck – e da Alemanha e da Europa – foi que os seus sucessores lhe iriam imitar os métodos (a tal mão de ferro em luva de veludo) mas não os princípios. Guilherme II, depois de o despedir, recriaria uma Alemanha forte e ambiciosa, que apareceria como um perigo, um perturbador inquieto e inquietante para os outros poderes europeus.

A 'questão alemã' é também sempre essa: reunificada, é grande para a Europa, mas pequena para o mundo. Por isso tenderá sempre a querer identificar-se com a Europa ou com um projecto europeu, insistindo na necessidade de cooperação com o Continente face aos desafios – militares, estratégicos ou simplesmente económicos – do resto do globo.

Valerá a pena pensar nestas coisas, nos duzentos anos do nascimento de Bismarck.