E quando da janela do meu quarto olhava para o alto da Cividade, lugar da velha Bracara Augusta romana, um edifício austero em granito escuro imediatamente se destacava, com a sua forma quadrangular a elevar-se por sobre o restante casario e a dar à parte antiga da urbe uma impressão de vetusta ancestralidade: a Torre de Santiago.
De facto, vista de trás, com as suas fachadas de aparência militar, em blocos de granito aparelhado, apenas rasgadas por seteiras e uma fileira de três janelas rectangulares junto ao topo – e a sobreelevada porta de arco na fachada nascente -, a torre deixava antever toda a severidade gótica da sua génese.
Era uma das cinco torres que integravam a cerca urbana medieval, de contorno subcircular com centro na Sé Catedral – cuja construção, iniciada por volta de 1300, no reinado de D. Dinis, foi terminada em 1378, já no reinado de D. Fernando.
Mais tarde, em 1564, os padres jesuítas do vizinho Colégio de São Paulo transformaram a Torre de Santiago em torre sineira do Colégio, acrescentando-lhe dois pisos e colocando-lhe dois sinos e um relógio, e abriram um passadiço por cima da muralha a ligar a igreja do Colégio ao pátio das salas de aulas.
Finalmente, esta torre transformou-se numa espécie de torre dos milagres.
Primeiro, porque, para agradecer a protecção da Virgem durante o terramoto de 1755, que poupou o Colégio de São Paulo, foi adossado à fachada principal, em 1756, um oratório rococó, atribuído ao arquitecto bracarense André Soares. Com a edificação desse oratório, a porta de Santiago, que passava em 'L' pelo interior da torre (a saída era a actual porta sobreelevada da fachada nascente), foi desviada para a esquerda, passando a franquear directamente a muralha.
Depois, porque, das cinco torres originalmente existentes na cerca, restam hoje apenas duas: esta de Santiago, e a de São Sebastião, junto ao Arco da Porta Nova. Tal como das oito portas que a franqueavam também só restam estas duas.
A Torre e a Porta de Santiago terem sobrevivido não só ao terramoto de 1755 como também à sanha destruidora dos homens é em si um milagre!
De facto, em 1879 a Câmara Municipal pediu ao Governo para lhe ceder a parte da muralha que compreendia a Torre e a Porta de Santiago, a fim de proceder à sua demolição (prosseguindo os abatimentos iniciados em 1858 e que haviam já eliminado as portas do Souto e de São Marcos). E em 1911 a Comissão Paroquial da Cividade voltou a requerê-la, o mesmo acontecendo em 1914, pelos moradores da freguesia, e em 1927, pela Comissão Administrativa de Santiago da Cividade. A última tentativa, novamente da autoria da Câmara Municipal, data de 1928.
Felizmente, nenhuma das tentativas surtiu efeito. E o milagre é a única explicação para não se ter demolido a Torre e Porta de Santiago.