A ver estrelas há 25 anos

O telescópio mais famoso do mundo tem-nos maravilhado com imagens do universo há um quarto de século. Mas a construção e sobretudo o lançamento e a manutenção do Hubble foram uma aventura que dava um filme. Quando assinala data redonda, esta missão entra praticamente em contagem decrescente.

A ver estrelas há 25 anos

Se Galileu tivesse escrito ficção científica ou antecipasse tendências do nosso futuro tecnológico como Júlio Verne, certamente teria o Hubble como uma das principais façanhas da humanidade nas suas histórias.

Desde o desaparecimento do sábio italiano, que aprimorou o telescópio o suficiente para revolucionar o nosso conhecimento das estrelas, até ao Hubble passaram quase 350 anos. Um pequeno nada na idade do universo, muito pouco tempo para a ciência na Terra. O que é certo é que a 24 de Abril de 1990 a humanidade conseguiria lançar, pela primeira vez – e até agora a única -, um telescópio de grande dimensão para o espaço.

O sonho não seria só de Galileu. A muitos outros astrónomos daria jeito uma visão assim. Mas seria preciso esperar até ao século XX para que a ideia ganhasse contornos mais concretos, desde que o cientista alemão Hermann Obert mencionasse, em livro, que seria possível lançar um telescópio ao espaço a partir de um foguetão. Na época – 1923 – a ciência espacial ainda dava tímidos primeiros passos e praticamente só existia no papel. Um dos papéis mais importantes a este respeito foi da autoria de um astrofísico americano, Lyman Spitzer, que em 1969 publicou um relatório favorável a esta aventura. De modo simples, Spitzer defendia que se na Terra a atmosfera é instável para as observações, por que não lançar um telescópio para lá das nuvens?

Muitos anos, experiências com outros aparelhos – entre os quais satélites lançados para estudar o sol e um observatório orbital que durou três dias – e desventuras orçamentais depois, os EUA aprovavam o orçamento para o Hubble em finais dos anos 70. 

Hoje podemos deliciar-nos com descobertas cosmológicas, com dados mais precisos sobre conceitos fundamentais como a idade do universo ou imagens de alta precisão de galáxias distantes ou dados cruciais sobre a chamada matéria escura (ver caixa). O telescópio seria baptizado Hubble em honra de Edwin Hubble, astrónomo norte-americano que foi um dos primeiros a postular a expansão do universo, entre outras descobertas.

Com lançamento programado para 1983, os reveses do Hubble confundiram-se com os dos vaivéns espaciais da NASA que lhe serviriam de meio de transporte até à sua órbita, à volta do nosso planeta. Um primeiro atraso deu como certa a data de 1986. Mas em Janeiro desse ano, a NASA sofreria um rude golpe – o Challenger despenhou-se logo após o lançamento, com a morte dos sete astronautas que integravam a missão. 

O programa dos vaivéns foi por isso suspenso por três anos. Em 1990, finalmente, o telescópio partia, não sem que outro azar, desta vez com o Hubble já em órbita, viesse bater à porta da equipa. As primeiras imagens que chegaram vinham com uma estranha e sobretudo imprevista distorção.

Logo que detectaram o problema, uma 'aberração esférica' numa das lentes (uma espécie de 'miopia' que turvava as imagens), os técnicos deram conta de que, apesar dos esforços de correcção em Terra, não era possível resolver o contratempo. 

A solução veio com o recurso a um casal,  Marjorie e Aden Meinel, conhecidos por serem os melhores designers de telescópios do mundo na época. O novo dispositivo, porém, só poderia ser instalado no espaço, evidentemente. Seguiu então com a primeira equipa de manutenção do telescópio e, em Dezembro de 1993, uma primeira intervenção reparadora foi executada no espaço.

Esta seria apenas mais uma das imagens espectaculares que nos chegariam do telescópio. A matéria do cosmos viria a aparecer então em ampla fotogenia, com uma nitidez impressionante face à distância – literalmente astronómica – de alguns dos objectos fotografados. 

Só para dar alguns exemplos do que os dados significaram para um grande empurrão à astronomia, a colisão do cometa Shoemaker-Levy 9 em Júpiter, captada em 1994, foi um regalo para os olhos dos astrofísicos e dos astrónomos amadores em todo o mundo. Mas as dioptrias do Hubble são poderosas e as suas lentes alcançaram nebulosas distantes, galáxias em colisão e imagens do universo profundo que revelam outras galáxias, mais longínquas e primitivas.

Outra vantagem inédita do telescópio é o facto de as suas observações estarem abertas a astrónomos de qualquer parte do mundo. O candidato (ou candidatos) submete uma proposta a um painel de experts e logo que é aprovada, os astrofísicos podem ter acesso aos dados e trabalhá-los. São milhares os estudos científicos da área proporcionados pelo Hubble.

As reparações – além da de 1993, seguir-se-iam mais quatro, em 1997, 1999, 2002 e 2009 – permitiram uma maior longevidade ao telescópio, concebido inicialmente para durar 15 ou 20 anos. 

Os responsáveis da NASA acreditam que o tempo de vida que lhe resta andará à volta de dois ou três anos, agora que o programa dos vaivéns espaciais foi decisivamente encerrado, desde 2011. 

Resta-lhes agora ultimar o próximo telescópio espacial, o James Webb, baptizado em homenagem ao administrador da NASA durante as missões Apollo. Mas esse está previsto para 2018, depois de alguns atrasos suplementares. E irá para uma órbita oposta ao Sol, lançado por um foguetão europeu, um Ariane 5, a partir de Kourou, na Guiana Francesa. Até a exploração espacial se globalizou nos dias que correm… 

ricardo.nabais@sol.pt