'Mãe, mãe, quero jogar futebol americano!». Kyle tinha 10 anos e não fazia tenções deixar a mãe em paz enquanto esta não lhe arranjasse um treinador e uma equipa. «Imagino a cara de pânico da minha mãe», brinca Kyle, que nasceu sem braços nem pernas, e hoje com 29 anos.
Os pais, Scott e Anita Maynard, não escondem a surpresa que tiveram quando o viram pela primeira vez mas, nesse momento, tomaram uma decisão que iria ter consequências pela vida fora: «Eles sempre me trataram como qualquer outra criança e nunca me deixaram desistir de nada». Kyle aprendeu rapidamente a vestir-se sozinho, a comer com talheres e a ter uma vida autónoma. «A partir dos quatro anos a minha avó ia passear comigo para o supermercado e sempre que eu achava que alguém estava a olhar para mim de uma forma estranha, íamos lá os dois, eu estendia a 'mão' e apresentava-me: 'Olá, sou o Kyle!'. Ainda hoje estendo a mão a toda a gente». Kyle fala de mãos e de pés como se os tivesse, porque sempre foi educado assim. Para provar o que nos está a dizer, calça e descalça rapidamente uma meia. «Na primeira tentativa demorei um dia inteiro, mas não desisti. Hoje, para mim é automático, como para qualquer outra pessoa». Também escreve num teclado normal, manda SMS aos amigos e escreve dedicatórias a caneta no seu livro, No Excuses lançado em 2005 (incluído na lista dos mais vendidos do New York Times). A sua autonomia é tal – conduz um carro normal, apenas com os pedais levantados – que há pouco tempo resolveu mudar-se para uma casa de três andares em Atlanta, onde vive sozinho. «E sim, o meu quarto é no último andar!», brinca.
«Quando era criança e os miúdos me perguntavam por que não tinha braços nem pernas, dizia que tinha sido atirado para a jaula dos leões no Zoo. De repente, passava a ser o maior», recorda. E acrescenta: «As pessoas olham para mim mas vêem as suas próprias incapacidades. Nascer sem braços nem pernas foi a maior dádiva da minha vida», afirmou na sua passagem por Lisboa, durante a conferência O Que de Verdade Importa. E para Kyle não há limites.
Aos dez anos, a mãe lá o inscreveu no futebol americano, onde jogou sempre na equipa principal. Depois o pai convenceu-o a entrar nas artes marciais. «Perdi 35 combates seguidos. Estava prestes a desistir. Aí o meu pai disse-me: 'Quando tinha a tua idade isso também me aconteceu mas depois comecei a ganhá-los todos'. Era mentira, mas eu continuei e de facto passei a ganhar!». A prática de actividade física sempre foi uma área central da sua vida. Já praticou crossfit, modalidade na qual é treinador certificado – tem desde 2008 a Academia de Crossfit No Excuses -, halterofilisno (o seu recorde são 108 kg), artes marciais, e mais recentemente a sua última paixão: o jiu jitsu. «Gosto tanto de jiu jitsu que não tenciono parar de competir. E não vou ao concurso mundial só participar, quero sair-me bem». Para isso, treina uma média de cinco horas por dia, todos os dias. E como o treino faz parte da sua vida, quando a 4 de Janeiro deste ano começou a escalar o Monte Kilimanjaro (Tanzânia), com os seus 5891 metros de altitude, nunca duvidou que chegasse ao cume. «A primeira vez que tentei escalar alguma coisa foi um monte perto da minha casa, uma coisa mínima. Custou-me imenso mas consegui, por isso nunca duvidei que conseguisse chegar ao topo do Kilimanjaro». Levou 12 dias, sob vento, chuva e neve, mas a 16 de Janeiro atingiu o topo. E não chegou sozinho: além da sua equipa técnica, levou as cinzas de um soldado morto no Iraque e a bandeira dos EUA. É que, no meio das suas actividades, Kyle trabalha com soldados feridos em zonas de guerra, ajudando-os a lidar com as suas incapacidades. «Uma deficiência não tem a ver com não ter braços nem pernas, mas com o que trazemos no nosso coração – e eu acredito profundamente que consigo fazer tudo».
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