É a sua estreia na representação e logo com um papel de protagonista na novela A Única Mulher, da TVI. O que sentiu quando viu o primeiro episódio e se viu na televisão?
Tudo! Primeiro chorei porque quando o vi estava na ModaLisboa e senti que foi bom regressar a 'casa', fazer aquele desfile. Apercebi-me que tinha muitas saudades da passerelle. Quando me mostraram o episódio fiquei histérica. Depois revi-o com mais calma em casa, com os meus irmãos, que não se calavam. Bom, mas acho que ainda estou na fase do deslumbramento, porque ainda gosto de tudo.
Portanto, gosta de se ver na televisão?
Sim e acho que já se vê uma evolução das primeiras cenas para as que foram gravadas em Angola, por exemplo. Estou a crescer e a aprender com os meus colegas, que me enviaram mensagens de parabéns. Fico muito orgulhosa, mas sei que é fruto de muito trabalho. Há pessoas que dizem: 'Tens uma estrelinha, tens muita sorte'. De facto tenho, mas se não a trabalhasse provavelmente a minha carreira não teria 12 anos. Sem trabalho nada se consegue. A Plural ofereceu-me formação antes da novela e eu decidi continuá-la a nível pessoal. Contratei um professor de teatro e trabalhámos praticamente todos os meses. Fiz também muito trabalho de casa.
Como surgiu o convite?
Foi o Pedro Curto [responsável pela Coral, produtora da novela]. Agora sei que já falavam de mim há algum tempo para o papel. Há tantos actores 'a sério' que podiam ter ficado com o lugar. E de repente tens uma autora a dizer-te que tinha pensado logo em ti quando começou a escrever o guião. E uma pessoa inevitavelmente sorri! Ficas embevecida.
Aceitou logo?
Foi uma coisa muito pensada. Falei com os meus agentes, com os publicistas e o meu primeiro teste de imagem correu relativamente bem. O segundo foi à frente do José Eduardo Moniz e do Pedro Curto e eu tremia, tremia! O director de actores, o António Melo, dizia-me: 'Calma. Tu sabes fazer isto!'. Depois também foi engraçado aquilo que o Moniz me disse a seguir a esse teste: 'Vamos trabalhar…'. Ou seja, não foi aquilo que todos esperamos ouvir, mas eu levei-o à letra. E desde então não parei. Não fiz o Conservatório, não sou actriz de formação, mas tenho uma vontade imensa de aprender. E acho que isso se tem reflectido no resultado, que algumas pessoas gostam e outras não.
A crítica e o público parecem gostar.
Sei que está a ser muito bem recebida. Há pessoas mais velhas que vêm ter comigo e dizem: 'A menina faz-me muita companhia à noite, gosto muito de vê-la'. Isto toca-me de uma forma… Pessoas sozinhas. Que gostam muito de ver a Mara. Não me importo nada que me chamem Mara quando vou na rua, deixei de ser a Ana Sofia, não faz mal. É sinal que esta personagem tem conteúdo. Também a minha página do Facebook, de repente, ganhou mais 20.000 e tal pessoas. Numa semana! Uma coisa estrondosa… Mas no início ainda houve quem tenha ficado 'chocado' com a minha decisão: 'Como é que uma pessoa tão sedimentada na moda, com uma carreira tão forte e que começava agora na apresentação, decide isto?'…
Sim, como?
Foi o desafio em si, foi o achar que era uma coisa muito difícil. E é. Nunca me entreguei tanto a nível profissional. Seduz-me o nível de profissionalismo que este desafio requer, a aprendizagem e as novas experiências. Estou há 12 anos na moda e aquilo, por vezes, torna-se um bocado repetitivo e automático. E o automático às tantas deixa de dar prazer. Nesta nova arte que estou a descobrir há tantos cantinhos, tantos segredos, tanto sumo, que é uma coisa que me está a dar muita força.
Já disse que recebeu algumas mensagens de incentivo por parte de colegas, mas sentiu-se, em algum momento, discriminada por estar a 'roubar' o lugar a um actor 'a sério', como disse há pouco?
Não. As pessoas que tinham algo a dizer, disseram-mo de forma directa e construtiva. Mas acho que para existir essa questão também tem de existir outra. Quantas actrizes fazem trabalhos de modelos? Quantas 'roubam' as campanhas às modelos? E lá está, a culpa não é dos actores – é de quem os contrata. E funciona exactamente da mesma forma. Nunca pedi para fazer uma novela. Aconteceu-me. E era uma tontice da minha parte dizer não a um desafio tão interessante. A uma história que não é nada vazia. É a crise económica, é o tráfico de seres humanos, é o racismo, é tudo. Problemas reais e actuais.
A 'sua' Mara é vítima de racismo. Já sentiu isso na pele?
Não gosto muito de falar sobre isso porque acho que é dar poder a quem o fez. Se aconteceu ou não, não pensei muito. Relativizei, é a solução. Acho que os portugueses brancos, vamos dizer assim, estão com uma capacidade muito maior de aceitação, caiu-lhes a ficha. Afinal, Portugal foi um país com colónias. Fico muito feliz que a maior parte das pessoas comece a aceitar, mas também fico triste pelas que ainda não aceitam. Pelas que acham, por exemplo, que eu tenho de ter o cabelo liso, que tenho de me adaptar. Por exemplo, quando o meu colega Lourenço Ortigão publicou fotos comigo no Facebook, os comentários não eram nada abonatórios: 'Ela que estique o cabelo'. Eu nasci assim, meus queridos! Tenho fé que isto um dia não seja mais tema, mas enquanto for, precisa de ser explorado e acho que nunca nenhuma novela em Portugal o fez de forma tão crua. Nunca pensei que um dia, por ser diferente, pudesse fazer moda, ser a Mara Venâncio ou apresentadora na MTV. Se calhar foi a diferença que me valeu.
E como foi gravar em Angola?
Foi a melhor experiência que tive até hoje. Tinha ido a Angola há 11 anos e, desta vez, encontrei uma Luanda completamente diferente e evoluída. Está tudo a ser construído e apercebemo-nos que, de facto, estão a fazer-se os investimentos certos, que o povo angolano quer mesmo que o seu país ande para a frente, que vingue. E tudo isso deu-me uma vontade muito grande de voltar a trabalhar em Angola.
Fixar-se lá?
O fixar para mim é muito relativo. Quando vou para os sítios gosto de ir sem prazo. Também fui para Nova Iorque sem prazo e acabei por ficar dez anos. Gostava de experimentar trabalhar lá. E o facto de ter sido tão bem recebida também ajuda a isso. Foi uma experiência muito pessoal e rica. Em Malanje, por exemplo, trouxe a simplicidade das pessoas comigo, percebi que há crianças que não têm quase nada e que são muito felizes… Isso ensinou-me a relativizar as coisas. Só tenho esta vida e isto também veio um bocadinho de lá.
O que quer dizer com isso?
Quando te pedem água, em vez de dinheiro… de repente tudo é fútil. E eu percebo porque não venho de uma família rica. Em Malanje voltei ao zero, regressei a mim, à Sofia. Foi uma experiência muito forte. Sinto que vim de lá uma pessoa mais rica.
Regressou às origens, que sabemos que não foram fáceis…
Há coisas que não podemos mudar no nosso passado, mas podia ter sido pior. Foi nesse sentido que voltei a mim. Há sempre alguém que está pior. De vez em quando esquecemo-nos que há um mundo para além do nosso. Há e eu quero descobri-lo. Além de que o desconforto faz-nos bem, forma-nos o carácter.
E formou? É que a sua história parece a da Cinderela. Tinha tudo para ser uma vítima da vida, uma pessoa frágil, mas ao que parece temos uma Ana Sofia cheia de garra, rebeldia e confiança…
Adoro a comparação! Eu tinha tudo para dar errado, mas isso era tão fácil, tão previsível. Não, eu decidi que ia dar certo. Há pouco tempo revi uma reportagem que fizeram comigo, quando eu tinha 15 anos, em que dizia 'eu sei o que é a vida!'. Não, não sabia. Sabia o que era o lado mau, onde o Sol não brilha. Não sabia o que era o lado bom. Sempre fui muito determinada e sempre tive muito pêlo-na-venta. Aquela parte que não pude controlar, a da minha infância, quando estava dependente de outras pessoas, aí não posso mexer. Mas a partir do momento em que comecei a ganhar o meu dinheiro e a tornar-me independente, fiquei imparável. Até hoje.
A tal história da Cinderela… Uma rapariga que vem de um bairro periférico de Lisboa e de repente está nos cartazes do centro do mundo, em Nova Iorque.
Sim, mas todos nós temos os nossos altos e baixos profissionais e aqui há dois anos a vida não me estava a correr assim tão bem. Não sabia o que queria fazer. Mas nunca baixei os braços. Sempre dei 200%, mesmo nos projectos em que acreditava menos e agora estou a ser recompensada por isso. Isto pode soar um bocadinho presunçoso, mas eu mereço cada cêntimo que ganho e que gasto. Sinto que só não vou atingir aquilo em que não acredito. E como tenho o defeito de acreditar em mim, a vida corre-me bem. Sempre fui muito obstinada. Não quero ser mais um caso que correu mal, a miúda do bairro que se vitimiza, marcada pelo abandono da mãe. Quero ser a pessoa que deu certo. E quero ser um motivo de orgulho para os meus filhos, quando os tiver.
Logo no início da sua carreira de modelo, aos 16 anos, foi para Nova Iorque sozinha. Não teve medo?
Não tinha alternativa. Não tinha ninguém na minha família que me pudesse acompanhar ou que estivesse disposto a tal. Tinha que ir. Era a diferença entre sobreviver e 'morrer'. Era a diferença entre proporcionar uma vida confortável à minha família ou ficarem afogados em dívidas. Naquela altura gozava muito com as miúdas que iam com as mães. Quem me dera! Ter tido alguém que estivesse comigo a acompanhar-me para me aconselhar. Fui e dei certo. Estava muito focada.
Mas como é que uma miúda, e ainda para mais nos meandros da moda, tem esse controlo todo?
Fiz as asneiras todas que tinha de fazer. Aprendi muito em Nova Iorque. Depois também tinha uma agente que era quase minha mãe. Na altura, eu odiava porque me impunha regras. Chegou a ir falar com um rapaz, com quem eu andava a dar uns beijinhos, porque ele era mais velho. O rapaz dirigiu-se a mim e disse-me: 'Nunca mais te quero ver porque a Noel veio falar comigo e impôs-me limites'… Lembro-me que fiquei muito revoltada. Hoje, com 28 anos, penso que teria feito exactamente a mesma coisa que a agente fez.
Nessa altura teve saudades da família?
Pensava muito no meu irmão, o Sandro. Era a única pessoa de quem tinha saudades, porque assim como sou muito apegada a algumas pessoas, também sinto um certo desapego das restantes. Como não cresci numa família dita normal, com os avós, tios e primos presentes, sou um bocado desligada. Se os vejo ou não, é igual. As únicas pessoas que me importam mesmo são os meus irmãos. De resto… é opcional.
Não cresceu numa família dita normal, como disse, até porque teve de lidar com o abandono da sua mãe. Que tipo de relação tem com a família que a acolheu?
Damo-nos bem. Mas depois as pessoas fazem escolhas, que não aceito, mas respeito. Quando a ambição desmedida e a ganância se sobrepõem ao amor que sentem por ti, isso para mim é logo sinal de alerta. Acho que foi isso que aconteceu. A ganância levou a melhor de algumas pessoas que hoje em dia ainda podiam fazer parte da minha vida de forma recorrente, e não fazem por escolha delas.
Parece que esse facto já está bem resolvido. Pelo menos, não se nota rancor nas suas palavras…
Eu e o Sandro falamos muito nisto. Recordamo-nos que fomos criados por um casal, mas não temos nada que ver com eles. Nada, e é estranhíssimo. Porque vamos sempre buscar um bocadinho dos pais, ou das pessoas que nos criam. E às vezes não sei onde vou buscar esta força, é muito meu. Só realizo tudo o que fiz quando as pessoas me dizem e quando revejo as fotografias. Só aí me apercebo para que marcas trabalhei e tudo o que já alcancei. Porque grande parte da minha carreira, como eu estava em modo 'tenho de ajudar a minha família', foi feita em piloto-automático. Na altura nem desfrutava e neste momento desfruto de cada segundo.
É uma forma inspiradora de encarar o passado…
O passado pode ser a nossa grande desculpa para não vivermos o presente e o futuro. E se não vives o presente, automaticamente o teu futuro está condenado.
E como será o futuro?
O meu futuro será aquilo que eu fizer do presente. Não faço planos a longo prazo mas quero muito ser bem-sucedida. Ainda quero fazer tanta coisa, que não sei se há tempo para tudo. No que depender só de mim, a minha vida será maravilhosa. Porque eu sou ambiciosa no trabalho, mas também ambiciono saber mais. Neste momento, considero-me imparável. Acredito que posso mudar o mundo. Se continuar com esta capacidade de trabalho e com esta força nem o céu é o limite…