Mas se há arroz que me enerva, seja ele de que qualidade for, é o cozinhado à malandrinho – uma facilidade culinária moderna, provavelmente inspirada nos arrozes caldosos de peixe de Espanha – que também foram importados para cá.
Aprendi com um membro da direcção da Academia Portuguesa de Gastronomia a falar na 'malandragem do arroz malandrinho que agora por aí prolifera'. De tal maneira que até um portuense, desenvolto como ninguém na elaboração de arrozes, o chefe Castro Silva, oferece agora na sua banca da Praça da Ribeira arrozes vários, em alternativa – malandrinhos ou mais secos. Pois se no Porto qualquer velha tasca com pergaminhos (já não é preciso falar no Aleixo) nos serve arrozes correctíssimos, desses que não se vêem cá pelo Sul, como se atreve Castro e Silva a descair na malandragem do malandrinho?
O arroz alimenta mais de metade da população humana do mundo. É a terceira maior cultura cerealífera, apenas ultrapassada pelas de milho e trigo. Naturalmente – cuidado com as dietas – rico em hidratos de carbono, cultiva-se com sucesso em zonas de água em abundância, para manter a temperatura ambiente dentro de intervalos adequados.
Na Ásia, também é produzido em socalcos. Em qualquer dos casos, a água mantém-se em constante e lento movimento.
Diz-se ter origem na China, vale do rio Yantzé. Passou de selvagem a plantado, como está arqueologicamente demonstrado.
Para a zona de Portugal (assim como para França e Itália), parece ter vindo pela mão dos muçulmanos no século VIII, depois de Alexandre o Grande o trazer para a Grécia uns 400 anos antes, fixando-se como elemento importante da alimentação nacional desde D. Dinis. Actualmente, por cá, produz-se apenas em cinco rios (Mira, Sado, Sorraia, Tejo e Mondego); a cultura mais a norte é inviável devido ao frio.
O doce mais famoso em toda a Europa na Idade Média era um manjar branco, elaborado à base de farinha de arroz (e que aparece no famoso receituário português da Infanta D. Maria, do séc. XVI). O arroz doce só surgiu em Lisboa no século XVI, e a vender-se nas ruas.
Os portugueses são hoje considerados os maiores consumidores de arroz na Europa, com valores acima dos 15 kg per capita ao ano.
Ainda assim, os stocks nacionais começaram a crescer, com dificuldade de escoamento, desde há uns anos. Diz-se que os espanhóis, que na Andaluzia só conseguiam cultivar o arroz agulha, descobriram o filão do mercado português.
E a indústria nacional, sempre imaginativa, conseguiu contratos bons em países produtores-consumidores como a Turquia ou a China.
Mas já vai longa a conversa, e o que se pedia agora era um belo arroz de pato, com carolino estufado, que até cá por baixo se faz decentemente. Poupem-me só a malandragens.
Arroz de forno: o meu prato preferido
Sempre tive a ideia de que em Portugal só se sabe fazer arroz no Norte. E o meu preferido, da Beira Alta para cima, é o arroz de forno – a acompanhar o anho, como por lá se usa, ou uma bela galinha assada, quando ainda se apanham, ou seja lá o que for.
É um arroz que se acaba no forno, de preferência forno de padeiro, e aparece na sua típica caçarola de barro – cheio de aromas e sabores. Deve ser feito de arroz carolino, o único verdadeiramente português, e que absorve os sabores. Mas lá está: arroz carolino é só para profissionais muito sofisticados – ou para qualquer nortenho que de pequeno trata o arroz por tu.
Lembra-me a história de um amigo que, trazendo outro do Porto a um almoço num dos melhores restaurantes alentejanos, quando este último fez questão de ter um arrozinho a rematar da melhor maneira a soberba refeição, foi logo a cozinheira preparar-lho. E o homem ficou arrependido do apetite, e da sua pronta satisfação. É que sendo do Porto, estava habituado a outros arrozes.
Ocorreu-me a mesma história, na celebração da Páscoa numa herdade alentejana, com um soberbo cabrito assado, e um sobrinho do Porto lamentou a falta do arroz de forno. Nem ele sabe a sorte de não haver ali arroz – que isso é habilidade de gentes lá do Norte.