É este o novo regime que o Governo se prepara para aprovar nos próximos dias e que deverá entrar em vigor a partir do próximo ano. “Aumentar o grau de percepção e de responsabilização dos condutores, face aos seus comportamentos, adoptando-se um sistema sancionatório mais transparente e de fácil compreensão” – é o objectivo deste regime, segundo o anteprojecto de lei apresentado há cerca de um mês ao grupo consultivo da Estratégia Nacional de Segurança Rodoviária.
De acordo com o documento, elaborado pelo gabinete do secretário de Estado da Administração Interna, João Almeida, cada ponto subtraído equivale a 10 dias de inibição de conduzir, mas esta sanção só é aplicada a partir do momento em que os condutores tiverem oito pontos ou menos pontos na carta – ou seja, ao fim de duas infracções graves, por exemplo. Nessa altura, se praticar outra grave, sofrerá uma inibição de conduzir de 20 dias (ou 30, se a infracção for dolosa).
Um parecer emitido a 2 de Abril pelo Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) suscitou “várias reservas” sobre este e outros aspectos do projecto. O Conselho – em sintonia com o gabinete da procuradora-geral da República, que emitiu parecer em igual sentido – sublinha que o facto de estar em causa uma “sanção acessória com período temporal fixo (10 dias por cada ponto a menos), sem possibilidade de valoração exterior” nem de “suspensão”, leva a que seja considerada “automática” – o que levanta “problemas de constitucionalidade”. Além disso, o parecer defende que a perda de pontos por si só não deve ditar a aplicação de sanções – o que seria também inconstitucional, pois acarretaria a perda de direitos -, mas sim o contrário. Por isso, o Conselho recomenda que o actual regime de sanções se mantenha, devendo o sistema de pontos contribuir unicamente para a cassação da carta de condução.
Bons condutores devem ser premiados?
O CSMP considera ainda que este regime, tal como foi proposto inicialmente pelo Governo, é “excessivamente repressivo e desproporcional”, pois não premeia os bons condutores, como acontece em Espanha e França, onde os condutores podem atingir 15 pontos. Assim, os procuradores propõem que seja atribuído um bónus de três pontos aos condutores que ao fim de três anos não tenham mácula no cadastro, não podendo nunca ser ultrapassado o limite de 15.
Por outro lado, para tornar o sistema mais “equilibrado”, devem ser criados mecanismos de recuperação de pontos – até para salvaguardar a posição dos condutores profissionais – através de acções de formação que os infractores podem frequentar de forma voluntária, uma vez a cada dois anos, e que lhes permitirão recuperar até quatro pontos.
Quando já só tiver três ou quatro pontos, o condutor não terá escolha: é obrigado a frequentar esta acção. “Ou seja, só quando já cometeu quatro infracções graves ou duas muito graves. Isto é um disparate, porque o objectivo da formação é evitar a reincidência”, diz José Trigoso, presidente da Prevenção Rodoviária Portuguesa, que critica também a bonificação de três pontos: “A obrigação de qualquer condutor é cumprir as normas. Não recebemos prémios por não roubar”.
O CSMP deixa outro alerta ao Governo: esta lei não pode ter efeitos retroactivos, tal como se propunha no anteprojecto inicial (as infracções graves e muito graves praticadas nos últimos três anos seriam classificadas segundo o novo regime e contariam para futura subtracção de pontos).
O Governo estabeleceu como meta Junho do próximo ano para a entrada em vigor desta lei, mas o CSMP diz que isso pode ser “contraproducente” e não terá o efeito pretendido de diminuir a sinistralidade, sem que antes seja promovida uma campanha pública de informação. O CSMP sugere que entre a publicação da lei e a sua entrada em vigor haja um intervalo de 30 a 60 dias, tempo suficiente para uma adaptação dos condutores ao novo regime e à elaboração dos necessários regulamentos.