Provedor de Justiça aponta o dedo ao Banco de Portugal

O relatório da actividade da Provedoria da Justiça de 2014 tece críticas ao Banco de Portugal. À semelhança de anos anteriores, fica patente a difícil colaboração com o supervisor financeiro, embora se refira que “é justo” mencionar alguns “progressos”.

São várias as críticas apontadas ao longo dos últimos anos ao Banco de Portugal. “Reservas de base”, “indesejável morosidade” ou “extrema correcção das relações existentes entre ambas as instituições” são exemplos de expressões utilizadas nas referências ao supervisor bancário.

No documento, José de Faria Costa, Provedor de Justiça, refere que “é inevitável” uma referência ao Banco de Portugal, no capítulo dos direitos dos agentes económicos, dos contribuintes e dos consumidores.

“Ainda que muito caminho haja a percorrer em matéria de aprofundamento da colaboração desta entidade de supervisão [Banco de Portugal] com o Provedor de Justiça, é justo mencionar que, em 2014, foram recebidas algumas comunicações reveladoras de uma análise cuidadosa, por parte do Banco de Portugal, quer dos assuntos objecto de queixa, quer dos concretos pedidos de esclarecimento que lhe foram dirigidos por este órgão do Estado”, lê-se no documento.

O regulador bancário é uma entidade directamente visada em algumas das queixas dirigidas ao Provedor de Justiça e instituição para a qual a Provedoria remete, com frequência, a resolução de problemas que se encontram fora do âmbito de actuação directo da Provedoria.

Em 2014, registaram-se 56 queixas, as quais deram origem à abertura de 48 procedimentos, sendo que 8 das queixas foram incorporadas em procedimento já anteriormente aberto sobre o mesmo assunto.

O relatório apresenta um exemplo de como o Banco de Portugal se esforçou em 2014 para responder à Provedoria: Um cidadão apresentou uma queixa por alegada recusa de acesso, por parte de uma instituição de crédito privada, a extractos bancários de conta da qual era titular, fosse em formato electrónico, fosse em papel.

O queixoso insurgia-se não só contra a instituição bancária, como também contra o Banco de Portugal, o qual, na sequência da sua reclamação, não lhe teria reconhecido a razão que entendia assistir-lhe.

A Provedoria quis obter resposta do supervisor bancário, que avançou o teor da justificação informalmente em 2014 e recebida já este ano. Afinal, a responsabilidade era do próprio cidadão.

O Banco de Portugal “esclareceu de forma clara os motivos pelos quais o queixoso se encontrava impedido de aceder aos seus extractos, revelando que tais motivos lhe eram exclusivamente imputáveis – por um lado fizera bloquear o acesso à plataforma online da instituição de crédito visada ao inserir incorrectamente os códigos de segurança e, por outro lado, não comprovara, ainda, a sua nova morada, o que inviabilizara a satisfação do seu pedido de envio dos extractos em papel”.

A história de uma relação atribulada

As dificuldades em obter colaboração do Banco de Portugal têm vindo a ser reflectidas, ano após ano, nos relatórios de actividade da Provedoria. Ainda assim, o tom usado tem vindo a ser suavizado ao longo dos últimos anos.

Em 2013, por exemplo, elogiava-se a CMVM por oposição aos restantes supervisores.

“As entidades habitualmente ouvidas na instrução destes processos [assuntos financeiros] prestam, em regra, boa colaboração, com especial destaque para a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), cujo rigor, celeridade e detalhe das respostas se louva”, lê-se no documento de 2013.

No ano anterior, o Provedor Alfredo José de Sousa falava em “reservas de base” para descrever a cooperação com o Banco de Portugal. “O ano terminou com alguma expectativa em matéria de melhoria na qualidade da instrução dos processos em que é ouvido o Banco de Portugal, instituição que, embora com algumas reservas de base, vem afirmando a sua disponibilidade para colaborar com o Provedor de Justiça. Aguarda-se que essa colaboração possa vir a ser bastante mais aprofundada, de forma a produzir resultados efectivos na resolução dos problemas sentidos pelos cidadãos na sua relação com as instituições de crédito”.

Recorde-se que José de Faria Costa substituiu Alfredo José de Sousa na Provedoria em Julho de 2013.

Em 2011, a Provedoria pedia a “extrema correcção das relações existentes entre ambas as instituições”. “Manteve-se, em 2011, uma indesejável morosidade na conclusão da instrução de processos em que é solicitada a colaboração do Banco de Portugal”.

Além da demora na prestação de esclarecimentos, criticava-se a “extrema contenção” que continuava a ser “característica das respostas” prestadas pelo Banco de Portugal, o que “dificulta em muito a tarefa de apreciação do desempenho do Banco de Portugal por parte do Provedor de Justiça”.

Queixas relacionadas com o BES

Em 2014, a Provedoria registou um ligeiro decréscimo dos procedimentos relacionados com assuntos económico-financeiros.

Em matéria de banca, os 120 procedimentos abertos em 2014 correspondem a um número ligeiramente superior de queixas (128), já que algumas queixas são incorporadas num único procedimento.

“Foi o que aconteceu, por exemplo, com parte das queixas recebidas na sequência da crise financeira que atingiu o Banco Espírito Santo (BES). Em relação a este assunto, cedo se registou a entrada das primeiras queixas, questionando a natureza e oportunidade das medidas adoptadas – ou não adoptadas – pelo Banco de Portugal e pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários”.

sandra.a.simoes@sol.pt