Reformados, cansados e às portas da velhice. Assim perspectivaram as últimas gerações de portugueses a chegada aos 65 anos. Mas hoje entrar na terceira idade significa viver, em média, mais 18 anos. O aumento da esperança de vida e a diminuição drástica da natalidade fazem de Portugal um dos países mais envelhecidos do mundo. Uma tendência que veio para ficar e que aumentará o número dos que vivem para além dos 70, 80 e 90 anos. Se, por um lado, viver mais tempo não pressupõe mais qualidade de vida, pois com a idade pode vir a doença e a solidão, por outro, também não significa chegar ao fim da linha. Afinal de contas, a partir de quando se é velho?
«Quando se começa a ver a vida no retrovisor», dispara Manuel Villaverde Cabral, remetendo para a enorme subjectividade que este conceito encerra. Para o presidente do Instituto do Envelhecimento, a barreira dos 65 anos é «puramente administrativa e está associada a uma putativa idade da reforma», que já não corresponde à realidade. «É uma data cada vez mais arbitrária e enganosa. Pois se a esperança de vida aumentou imenso, esta data não se alterou nos últimos anos».
Regra geral, os estudos mostram até que os portugueses mantêm uma predisposição para prolongar a vida activa. «Sentem que gostam do que fazem e que é bom continuar a trabalhar. Parar é visto como algo perigoso, pois não sabem o que fazer depois de se reformarem». Villaverde Cabral é exemplo disso: aos 75 anos ainda trabalha. A viuvez e reforma, que tendem a acontecer na chamada terceira idade, também não são momentos críticos para os portugueses, diz Villaverde Cabral. «São vividas como etapas da vida. Têm filhos, netos, e sentem que a vida continua».
A saúde é um factor-chave neste processo de envelhecimento, sublinha o sociólogo que tem estudado o tema. E aqui há uma «bomba de retardamento» que são as demências, cada vez mais frequentes e incapacitantes à medida que se avança na idade. O aumento do número de idosos que, no pior dos cenários passará dos actuais 2 milhões para 3,4 milhões em 2060, trará problemas ao sistema de saúde, alerta o sociólogo. «Vão aumentar os grupos de 80 e 90 anos, que vão precisar de cuidados. Mas o nosso Serviço Nacional de Saúde não está organizado para os cuidados domiciliários».
Também para a demógrafa Maria João Valente Rosa, directora da PORDATA, o imobilismo da 'marca psicológica' dos 65 anos é puramente administrativo. A longevidade maior apanhou uma geração de surpresa, e as soluções, já enunciadas em diversos estudos, demoram a ser postas em prática. Até porque, antes de tudo, é preciso acabar com o discurso vigente sobre o envelhecimento na sociedade. «É um discurso perigosíssimo. As pessoas traduzem este processo como sendo uma catástrofe, uma coisa horrível que temos de evitar a todo o custo». Fazer passar a ideia de que «o envelhecimento é algo evitável» é, por isso, algo que temos de abandonar depressa. «Não é, e se for, é-o pelo pior sentido».
O envelhecimento não é necessariamente um mal, segundo Maria João Valente Rosa. Reflecte em Portugal o mesmo que em todos os países desenvolvidos: é resultado de sistemas de saúde e avanços terapêuticos e de prevenção que, quase de um momento para o outro, nos fizeram viver mais uns 15, 20 anos.
No nosso caso, porém, há uma originalidade. Conseguimos 'apanhar' o comboio dos países desenvolvidos a meio da jornada e até os ultrapassámos neste capítulo. «Até há três, quatro décadas, Portugal ainda era, no contexto da UE, um país relativamente jovem, mas pelos piores motivos», sustenta a demógrafa. «As pessoas viviam pouco tempo e tínhamos níveis de fecundidade altíssimos». Mas esses índices altos não traduziam propriamente uma sociedade saudável: «O valor da criança era muito diferente do que é hoje, a criança servia também como um valor económico para a família, já que começava a trabalhar cedo e correspondia a uma garantia para a velhice».
Hoje, uma criança é uma escolha. Por outro lado, ser velho actualmente não é o mesmo que no tempo dos nossos avós. Pessoas de idades avançadas são hoje mais saudáveis e a escolarização aumentou consideravelmente. No futuro, seremos idosos ainda mais preparados. Mas como já se disse, se deixamos de trabalhar aos 65 ou nas redondezas desta idade, de que forma podemos lidar com um clube da 3.ª idade cada vez maior?
Envelhecer de forma activa é uma preocupação que já vem de longe. Passa por manter as relações sociais, explica Manuel Villaverde Cabral. O sucesso da velhice pode ser ditado pela forma como cada um desenvolve este processo. «O grande problema é a socialização. Nos homens a principal fonte de relacionamentos vem do trabalho». Quando isso acaba, alerta, muitos ficam desorientados, sem uma rotina, uma razão de viver. Mas quando falamos de solidão, entramos no domínio dos mitos em torno do envelhecimento, considera Villaverde Cabral. «Não digo que não haja solidão em Portugal, há sim, por exemplo em Lisboa. Mas a solidão é um estado de morbilidade, alguém que se retira, deixa ficar. Mas que, só até certo ponto, coincide com o envelhecimento».
O tema é complexo, ou, pelo menos, bastante mais complicado do que as respostas que lhe temos dado. Maria João Valente Rosa publicou, recentemente, uma reflexão sobre o assunto, no ensaio O Envelhecimento da Sociedade Portuguesa. E defende um «mergulho em profundidade» para lidar com os vários problemas que nos assolam na velhice. «Temos de nos preparar para sair do problema»: o modelo por que nos regemos pressupõe que estamos a trabalhar e descontamos, esperando que, quando deixarmos a profissão, outros irão fazê-lo por nós. Só que «olhamos para trás e temos cada vez menos e a sobrecarga é cada vez maior».
Por isso, a demógrafa acha que é preciso apostar numa sociedade sustentada no conhecimento, que privilegie o «músculo intelectual» ao «músculo físico». Sair do problema implica, antes de tudo, deixar de considerar a idade um atributo. Ser mais velho ou mais novo tem de deixar de fazer a diferença, defende, pois, já que estamos a falar de conhecimento, ele «não tem barreiras de idade».
Daí que seja absurdo afastar as pessoas com 65 anos ou mais da vida profissional. Podemos objectar: e elas não vão tirar postos de trabalho aos mais jovens? Esta ideia «não passa o crivo dos dados estatísticos». O número de empregos é variável e depende do dinamismo da economia. Mas antes, continua Maria João Valente Rosa, é preciso soltar outras amarras, as que demarcam a nossa vida em três fases muito distintas e estanques: nos anos de juventude estudamos e entramos numa profissão, onde o nosso tempo fica aprisionado, sem termos disponibilidade para mais nada e depois reformamo-nos em idades em que ainda estamos perfeitamente capazes de continuar. Solução? «Trabalho em tempo parcial e reforma em tempo parcial» ao longo da vida. Ou seja, trabalhar de forma menos intensa nas idades centrais e até uma idade mais avançada. Além disso, teríamos tempo para outras actividades e carreiras, ou simplesmente para estar com família e amigos. O milionário mexicano Carlos Slim, por exemplo, recorda a demógrafa, defende semanas de trabalho de três a quatro dias para os seus funcionários. A produtividade não se mede pela quantidade de horas – Portugal é dos países da UE com mais horas de trabalho por semana – mas pela qualidade do que se faz.
E as contribuições?, perguntarão os cépticos. Têm que ver com o dinamismo da economia. Se ela é menos dinâmica, o que cada um paga tem de ser superior. Mas uma economia dinâmica gera postos de trabalho e, por conseguinte, contribuintes. E, continua, «a ideia é dinamizar a economia com todos e não apenas com alguns».
Manuel Villaverde Cabral critica ainda a classe política, que «descobriu o envelhecimento ontem, quando a taxa de natalidade é insuficiente há 30 anos». Nesta apatia comunitária em relação ao problema demográfico, o sociólogo não poupa os partidos, que diz «fugirem destas questões por cobardia, por terem noção de que estas pessoas são os seus eleitores». O sociólogo diz que reina uma «representação do país que não existe e que mantém a ideia do idoso velhinho e incapaz». E aponta outro mito: «O de que os idosos são o grupo etário mais pobre em Portugal quando, na realidade, são as crianças».
Entre mitos e ideias feitas, é preciso abraçar uma sociedade em que os idosos serão uma porção considerável da pirâmide etária, e não fugir dela. Até porque «estamos a falar de pessoas, e de pessoas que vão ter características diferentes», conclui Maria João Valente Rosa. «Portugal e a Europa não têm de morrer de velhos».
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