O facto de a economia do Reino Unido estar melhor que as continentais e de as propostas fiscais e sociais dos trabalhistas de Ed Miliband parecerem utópicas, radicais e contraditórias não basta para explicar a vitória, bem mais expressiva do que o que fora antecipado. Na campanha, o primeiro-ministro Cameron tinha também procurado trazer outros valores para o debate, com um discurso incisivo (e talvez também conveniente), a lembrar a natureza 'cristã' da Grã-Bretanha e do seu povo, numa clara rejeição do assepticismo correcto da actualidade.
Um fenómeno que se repetiu e intensificou nesta eleição foi o da repartição do voto popular fora dos dois maiores partidos. Há cinquenta anos, em 1964, conservadores, liberais e trabalhistas tinham quase 100% do voto popular. Hoje, somados, têm apenas 73%. Ou seja, no Reino Unido, um em cada quatro eleitores vota noutros partidos. O processo eleitoral britânico não permite reproduzir em parlamentares eleitos esta percentagem. Com 66% dos votos populares, os dois partidos maiores elegem 86% dos deputados, enquanto os outros ficam com 14%.
Este sistema maioritário favorece, além dos dois principais, os partidos 'regionais', mas penaliza os 'ideológicos' nacionais. Os beneficiados do sistema foram os escoceses do Partido Nacional Escocês (SNP), que passaram a dominar, em absoluto, a representação escocesa no Parlamento de Westminster. A campanha do referendo, embora tendo dado uma vitória tangencial ao 'Não', tornou conhecida e popular a causa independentista. Os filiados e militantes do SNP multiplicaram-se e a eleição deu-lhes uma vitória tonitruante. Os trabalhistas foram as principais vítimas desta vaga independentista, embora a maioria absoluta conservadora no Reino Unido (331 lugares em 650), retirasse ao SNP a possibilidade de fazer uma coligação governante com o Labour.
Este triunfo dos separatistas escoceses que, com 4% do voto popular elegem 56 deputados, encontra o seu reverso no UKIP – o partido identitário e nacionalista de Nigel Farage. Com 12% dos votos populares e o segundo lugar em 90 círculos eleitorais, o UKIP elegeu apenas um deputado. Foi um reflexo de voto útil nos conservadores. Ao passarem de 56 para 8 lugares, os liberais-democratas foram outros dos grandes derrotados da eleição geral.
Os resultados traduzem duas tendências de ruptura: conforme já anunciado, a vitória dos independentistas escoceses vai servir para impulsionar um novo referendo; e o eurocepticismo vai também ter o seu teste, com um outro referendo prometido por Cameron. Tempos difíceis para unidade do Reino Unido.