O projecto, que começou há apenas seis meses pela mão de um psicólogo (Ângelo Campota) e de uma designer de produto (Susana António), tem sido um caso de sucesso, em parte por se basear numa lógica de aprendizagem e partilha, através da utilização dos lavores tradicionais e do design para criar um modelo de 'negócio social'. “Um sénior já não é um mero sénior, que sai de casa e anda perdido pelas ruas. A Dolce & Gabbana chamou seniores para as suas últimas campanhas. Os seniores existem, são pessoas reais e devem ter um papel diferenciado na sociedade. E nós, ao adoptarmos este nome, 'A Avó Veio Trabalhar', estamos a fazer um regresso ao mundo do trabalho, a promover a sua auto-estima, a dar-lhes novamente a responsabilidade que já tiveram nos seus locais de trabalho e de assumirem isto não como um desafio, mas como um emprego no qual cumprem horários e objectivos”, explica Ângelo Campota. Com este modelo, o psicólogo candidatou-se ao programa BIP ZIP (Bairros e Zonas de Intervenção Prioritária de Lisboa) da Câmara Municipal da capital, ganhando financiamento para um ano e um local de trabalho. Só que o projecto cresceu tanto – passaram de três 'avós' para 43 em apenas seis meses – que esta semana acabaram de inaugurar numa nova morada: a primeira loja A Avó Veio Trabalhar, na rua Poço dos Negros, na zona do Cais do Sodré, em Lisboa. Aqui têm uma sala de serigrafia, outra de trabalho e ainda uma outra só dedicada à costura. No final do ano, e porque as 'avós' preferiram fazer uma viagem, em vez de dinheiro, como compensação pelo seu trabalho, vão todas passar uns dias ao Alentejo, onde visitarão pequenos artesãos para aprenderem novas técnicas que replicarão em projectos futuros.
Enquanto isso não acontece, dedicam-se ao trabalho no seu recém-inaugurado espaço no Cais do Sodré. Ângelo explica que o projecto foi desenhado especificamente para esta zona porque sempre se perguntou o que é que todos estes seniores faziam, alheados que estavam do mundo do trabalho. “Quando pensamos no Cais do Sodré pensamos no caos do Sodré: não há convivência entre os vizinhos que lá estão há 50 anos e os novos vizinhos. E a verdade é que este bairro é habitado por pessoas com mais de 80 anos, que estão isoladas em prédios devolutos. Há senhoras que estão sozinhas e que só recebem a visita do Centro de Dia. Vivem como fantasmas”, lamenta. Para mudar esta realidade, integram estes seniores em comunidades de troca de saberes, em que juntam os lavores tradicionais ao design, criando colecções actuais, modernas e apetecíveis. “Claro que no início houve muita resistência à mudança. Quando viram a colecção de luvas, a nossa primeira, diziam: 'mas quem é que vai comprar luvas bordadas com uma caveira? Ai, meu Deus, se eu usava uma coisa destas'. Mas depois quando fizemos o lançamento na loja Arte Assinada, onde entram turistas que compram as luvas todas, aí acham o máximo, e dizem às amigas: 'as minhas luvas vão para Paris' e começam a acreditar que é possível criar a diferença”.
Mas Ângelo crê que este trabalho faz mais do que isso. “Em termos de auto-estima, auto-conceito, as pessoas vêem-se de uma forma diferenciada porque a partir do momento em que o sénior, que sempre foi tratado como uma pessoa inútil, passa, de um momento para o outro, a ter um visão diferente, a apreciação dele próprio passa a ser também diferente”. E há até 'avós' que não saem de casa sem o pin oficial do projecto – 'Eu é que sou a avó' -, tal é o orgulho que sentem em fazer parte desta comunidade.
Além das colecções anuais, as 'avós' dedicam-se ainda a workshops nos quais 'adoptam' netos e lhes ensinam o que melhor sabem fazer: tricotar, bordar e coser. “O que nós entendemos por estes workshops é que as nossas avós têm uma experiência com mais de 65 anos para ensinar aos mais novos, quer seja em lavores domésticos ou na partilha de histórias de vida”. No passado dia 8 de Maio, 'avós' e 'netas' juntaram-se no Museu das Comunicações, em Lisboa, para uma conferência em que falaram desde o tempo dos aerogramas e dos namoros à distância às madrinhas de guerra, terminando nas novas formas de comunicar do século XXI – do Facebook ao Skype. E o programa de festas continua. Na próxima terça-feira é lançada a segunda colecção A Avó Veio Trabalhar na Trienal de Arquitectura de Lisboa. A 28 de Maio, as avós promovem um workshop de serigrafia, na Feira do Livro de Lisboa e, no fim do mês, a 31 de Maio, no Baile da Rádio Sim, no Jardim da Estrela, as 'avós' vão aplicar tatuagens temporárias ao visitantes. 'Old is beautiful' é a mensagem inscrita na pele…
