No longínquo ano de 2060, haverá um país com três milhões de velhos. Nesta terra onde os jovens escasseiam, não haverá pessoas suficientes a trabalhar e a fazer descontos para a Segurança Social para assegurar as reformas que os avós recebiam nos anos dourados do início do século. A pobreza na velhice atingirá níveis preocupantes e os gastos com pensões serão um dos principais quebra-cabeças para o Governo em funções, que terá de tomar medidas drásticas para conter os gastos.
Esta projecção pode parecer inspirada num filme de ficção sobre um futuro distópico, mas resulta antes das previsões da população portuguesa do Instituto Nacional de Estatística (INE), pouco conhecido pela sua extravagância criativa. O organismo antecipa que, dentro de cinco décadas, haverá três idosos por cada jovem com menos de 15 anos.
O envelhecimento da população é um sintoma da qualidade de vida que as sociedades mais avançadas da Europa conseguem proporcionar, mas constitui também um dos principais riscos económicos de longo prazo no Velho Continente.
As projecções da Comissão Europeia, da OCDE e do FMI quanto aos gastos públicos são semelhantes: Portugal é um dos países que mais gastam com pensões. Embora tenham sido levadas a cabo medidas para contrariar esta tendência, o país está em quinto lugar no ranking dos países europeus com mais despesa pública com pensões, em percentagem do PIB.
A longo prazo, à medida que a população envelhece, a incerteza sobre sustentabilidade aumenta. A Segurança Social está assente num sistema conhecido como 'pay-as-you go': são as contribuições de empresas e de trabalhadores no activo que pagam o grosso das pensões dos reformados.
Portugal tem hoje mais de três pessoas em idade de trabalhar por cada cidadão acima de 65 anos. Em 2060, haverá 1,5 trabalhadores por cada cidadão com mais de 65 anos. Em simultâneo, os reformados terão direito a pensões durante mais tempo, com o aumento da esperança de vida.
E não são apenas as contas da Segurança Social sob pressão: os encargos públicos totais com o envelhecimento abrangem também os gastos com o sistema de saúde e com cuidados domiciliários.
Crise agravou as contas
Já foi feita uma ampla reforma da Segurança Social em 2007. O cálculo das pensões passou a incluir indicadores como o crescimento da economia ou o aumento da esperança de vida e, na prática, o valor das reformas foi reduzido desde então. As estimativas de várias organizações internacionais admitiam que a sustentabilidade estava garantida durante décadas, mas a recessão recente baralhou as contas. «A salvaguarda da sustentabilidade foi afectada pela crise internacional de 2007/2008, que deixou sequelas significativas, em especial ao nível do emprego», explica ao SOL Glória Rebelo, investigadora especializada em Sociologia Económica.
O número de desempregados subiu de forma exponencial, o que reduziu as contribuições e aumentou os gastos da Segurança Social com subsídio de desemprego. A emigração levou milhões de euros em descontos para cofres públicos de outros destinos. Os novos empregos são estabelecidos com vínculos mais precários, como contratos a prazo e em part-time, que implicam salários mais baixos – e menos descontos. «A contratação a termo e a precariedade repercutiram-se no financiamento do sistema previdencial, que tem base contributiva», continua Glória Rebelo.
Ninguém tem dúvidas de que a Segurança Social precisa de reformas adicionais. Onde não há qualquer consenso é sobre o que deve ser feito. Num relatório recente sobre Portugal, o FMI foi transparente: o país deveria levar a cabo uma revisão do sistema de pensões e de qualquer opção implica rever a fórmula cálculo das reformas. Entre «adaptações incrementais das prestações» para conseguir poupanças de curto prazo, «reduções de benefícios para os futuros pensionistas» ou uma «reforma mais radical» nos direitos adquiridos, as diferentes opções do Fundo implicam uma mensagem clara: independentemente do figurino técnico, cortes adicionais são inevitáveis.
Luís Capucha, docente do ISCTE, contesta esta visão. «A redução dos montantes das pensões não apenas não resolve qualquer problema, como pode agravá-los. Criam desconfiança e fugas para o privado», justifica.
O investigador de sociologia defende antes medidas que estimulem o crescimento económico e a criação de empregos. E admite novas fontes de receita para a Segurança Social que compensem parte do impacto com o envelhecimento – nomeadamente novos impostos sobre fortunas. Outra sugestão é aumentar a permanência dos trabalhadores mais velhos no mercado de trabalho, desincentivando as reformas antecipadas. «A longo prazo a prioridade deverá ser dada ao combate ao desemprego e ao prolongamento da actividade. Os trabalhadores mais experientes são um recurso económico e social, e não um peso sobre a economia», realça.
Glória Rebelo sublinha também a necessidade de «agir a montante» do valor das pensões e combater o desemprego de longo prazo. E, para contrariar o baixo nível de fecundidade das mulheres em Portugal, defende «soluções no plano laboral de conciliação entre a vida familiar e profissional».
joao.madeira@sol.pt