Antes disso, partilhei casa mas não correu muito bem. Aliás, foi por essa experiência falhada que, depois, gostei tanto de viver sozinha.
Sair de casa dos pais para partilhar casa pode ter tanto de bom como de mau e é uma pequena aprendizagem para a vida. Deixamos de ter de explicar por que há uma pilha tão grande de roupa acumulada em cima da cadeira ou por que ainda não estamos a dormir quando no dia seguinte temos de nos levantar cedo – e passamos a dar explicações sobre o nosso mau acordar ou a ausência de jantar quando o companheiro de casa sai mais tarde do trabalho.
Mas quando ficamos doentes a quem é que recorremos? Quem é que guarda sempre um restinho do único remédio que nos salva de uma amigdalite excruciante? Quem conhece a senhora da farmácia ali defronte e pode ir comprar primeiro o antibiótico e só depois levar a receita?
Vivermos sós pode ser o mais próximo do expoente máximo da liberdade.
Como não há ninguém com quem dividir as agruras da vida, aprendemos a aproveitar a solidão e acabamos por compreender que é importante sabermos estar sozinhos. Podemos acumular a roupa que vamos experimentando em cima da tal cadeira. Não há surpresas, nem boas nem más. Podemos jantar iogurte, se nos apetecer, porque ninguém vai reclamar pelo jantar.
E viver sozinho é capaz de ser também o expoente máximo do velhinho provérbio que diz que é na cama que fizermos que nos deitaremos.
Mas, se queremos embandeirar em arco a nossa independência financeira e emocional, depois não vale ir a casa da mãezinha buscar o tupperware da sopa para a semana ao mesmo tempo que lá deixamos a roupa suja para lavar e engomar.
Começar um pequeno negócio pode ser parecido. Se vamos fazer bandeira de não termos patrão, não podemos reclamar a mesada em caso de arranque demorado ou más decisões.
Por isso mesmo, levei demasiado tempo a pensar no assunto, a ler sobre o assunto na ânsia de saber o que fazer – e mesmo o que sentir. Até que a contagem decrescente se torna vertiginosa. E depois não são borboletas na barriga, mas um misto de sensações: liberdade e agonia.
Por um lado, a visão romântica da liberdade, protagonizada pela cena do Jerry Maguire sozinho no carro a cantar Free Fallin, do Tom Petty; por outro, o cérebro transtornado e transformado numa máquina – metade GPS, metade calculadora. Metade recalculando constantemente a direcção, em conformidade com as expectativas e os medos, e a outra metade calculando receitas, esquadrinhando gastos, subtraindo custos desnecessários, sonhando com investimentos, deduzindo impostos.
Não há receitas mágicas. Como em tudo, a única receita é ir gerindo ansiedades e medos e adaptando os passos ao caminho – sejam eles de bebé ou de gigante. Experimentar – e falhar ou ser bem sucedido. Depender o menos possível dos outros e confiar mais em nós. Conhecermos melhor os nossos pontos fortes e fracos. Arranjar um companheiro de viagem que não peça explicações sobre o nosso mau acordar todas as manhãs. E, claro, cantar a pleno pulmões e em uníssono.