Como já vem sendo hábito, o júri internacional procura baralhar as contas para que a sua decisão não coincida com as preferências da crítica. Só assim se pode compreender que os manos Coen tenham concluído por distinguir o mais recente filme de Jacques Audiard, realizador de Ferrugem e Ossos e Um Profeta, que viu em 2009 perder a Palma para O Lenço Branco de Haneke. Nesse ano até com mais razões para ganhar a Palma de Ouro.
Melhor teria sido a escolha do pungente Sono f Saul, embora fosse mais previsível que recebesse o Grande Prémio do Júri, afinal de contas, o segundo prémio do festival. Aqui se embarca na viagem aos infernos de um Sonderkommando, uma espécie de escravo tarefeiro obrigado ao quotidiano de um campo de extermínio. Um trabalho magnífico e de enorme intensidade que poderia muito bem ter justificado o prémio de realização – e porque não até a Palma de Ouro? – já que o trabalho de uma câmara angustiada que não parece querer olhar ao inferno diante dos seus olhos. Em vez dele, o prémio foi para o chinês Hou Hsiao-Hsien, pelas coreografias das artes marciais de The Assassin.
Um outro dos melhores filmes em Cannes foi o grego The Lobster, do autor Yorgos Lanthimos, a fazer um exercício de áspera ironia às regras da atração, bem como ao peso social sobre as relações amorosas. Num hotel em jeito de reality show, casais terão de arranjar um par sob pena de se transformarem num animal…
No plano de interpretativo, o prémio feminino foi dividido pela francesa Emmanuelle Bercot pela sua prestação à flor da pele em Mon Roi, de Maiwenn, de resto, massacrado pela imprensa, a par de Rooney Mara, apenas o elemento secundário da intimidade feminina de Carol, do americano Todd Haynes. Fica a sensação que a escolher a distinção, a escolha mais calhada recairia sobre Cate Blanchett…
Já o plano masculino ficou bem defendido por Vincent Lindon, motivado pelo desespero controlado como conduz a sua personagem numa realidade quase kafkiana do desemprego de um homem de meia idade.
Terminamos com o prémio para o argumento a reconhecer o mérito de Chronic, do mexicano Michel Franco, sobre um enfermeiro (Tim Roth) que cria relações familiares com os diversos doentes terminais que acompanha.
Assim fecha um festival que consagrou ainda a carreira da atriz belga Agnés Varda. Para o ano há mais.
Palmarés 2015
Palma de Ouro – Dheepan, de Jacques Audiard
Grande Prémio do Júri – Sono f Saul, de Lázló Nemes
Prémio do Júri – The Lobster, de Yorgos Lanthimos
Melhor Realizador – Hou Hsiao-Hsien, por The Assassin
Prémio de Interpretação Feminina – Emmanuelle Bercot (Mon Roi) e Rooney Mara (Carol)
Prémio de Interpretação Masculina – Vincent Lindon (La Loi du Marché)
Prémio do Melhor Argumento – Chronic, de Michel Franco
Câmara de Ouro (Primeira Obra) – La Terra Y La Sombra, de César Augusto Acevedo
Palma de Ouro Curta Metragem – Waves ‘98, de Ely Dagher
Palma de Honra – Agnés Varda