"Como é que um tipo pensa que vai fazer uma coisa destas e se safa", questionou Paulo Pereira Cristóvão, considerando Rui Martins, testemunha no processo, como "um adepto ferrenho que tinha acesso aos corredores de Alvalade".
Segundo a acusação, Rui Martins, que trabalhou numa empresa de Paulo Pereira Cristóvão e era dos responsáveis pela vigilância de futebolistas do Sporting, foi ao Funchal efetuar um depósito de 2.000 euros na conta de Cardinal a mando do então vice-presidente 'leonino' para posteriormente o acusar de ter sido subornado antes de um jogo entre o Sporting e o Marítimo.
Hoje, perante a juíza, Paulo Pereira Cristóvão, também ex-inspetor da Polícia Judiciária (PJ) negou qualquer envolvimento no caso e disse ter sabido que Rui Martins ia à Madeira através do próprio, admitindo, no entanto, ter pagado a viagem.
Um dia depois da ida de Rui Martins à Madeira, foi recebida no Estádio José Alvalade, em Lisboa, um carta anónima denunciando um suborno ao árbitro José Cardinal, que posteriormente o clube remeteu para a Federação Portuguesa de Futebol e para a PJ.
"Depois de perceber, pelo código do talão, que o depósito foi feito na Madeira, percebi o que ele [Rui Martins] tinha ido lá fazer", disse, acrescentando: "Chamei-o e disse-lhe que sabia o que tinha feito".
Paulo Pereira Cristóvão disse ter tomado a decisão de não denunciar Rui Martins a Pedro Fonseca, o inspetor da PJ que estava com o caso e que ambos conheciam, mas garantiu que hoje se arrepende: "Errei ao não o denunciar, hoje não o teria feito".
De acordo com a acusação, o ex-vice-presidente 'leonino' terá levantado, um dia antes da viagem de Rui Martins ao Funchal, uma verba de 3.000 euros na tesouraria do clube, que foi classificada como despesa confidencial e que terá servido para o depósito e para despesas relacionadas com a deslocação.
Em tribunal, Paulo Pereira Cristóvão garantiu que a verba, posteriormente justificada em parte com faturas, serviu para pagar a 12 seguranças que tinham acompanhado elementos da direção do Sporting a uma deslocação ao estádio da Luz.
O principal arguido do 'Caso Cardinal' garantiu que a partir desse dia nunca mais falou com Rui Martins, apesar de este continuar a efetuar trabalhos para elementos da sua família.
Numa altura em que alegadamente já não mantinham contacto, Paulo Pereira Cristóvão continuou a usar a conta bancária da empresa de Rui Martins, que foi criada pouco antes de o Sporting ter contratado serviços de monitorização dos seus futebolistas.
Rui Martins, que em sessões anteriores admitiu ter agido sempre a mando de Paulo Pereira Cristóvão, continuou a trabalhar na vigilância de jogadores do clube.
"Era pior afastá-lo [do Sporting]", disse Paulo Pereira Cristóvão, admitindo não ter comentado com ninguém o facto de considerar que Rui Martins tinha sido o autor do depósito na conta do árbitro auxiliar.
Ao longo das várias horas em que prestou declarações, Paulo Pereira Cristóvão admitiu a existência de uma lista com nomes e dados de árbitros que permitia a obtenção de informações para oferecer "uma camisola com nome e idade dos árbitros que dirigiam jogos em Alvalade".
"Os árbitros eram muito bem tratados. Tínhamos de recuperar prestígio, que tínhamos perdido no tratamento dos árbitros e ser educados", disse.
No que diz respeito a listas com nomes e moradas de jogadores e familiares, o antigo vice-presidente da direção liderada por Godinho Lopes garantiu nunca as ter tido na sua posse.
Durante a manhã, Paulo Pereira Cristóvão admitiu que o clube tinha um contrato para monitorização de jogadores, porque "casos como os de Jardel ou Cherbakov não podiam voltar a acontecer".
"O que tentámos fazer, com muitos erros, foi recuperar 20 anos de atraso que tínhamos em relação ao Benfica e 30 ao FC Porto", disse, acrescentando que, "de uma forma ou de outra, todos os clubes profissionais têm vigilância".
Paulo Pereira Cristóvão, que está detido preventivamente no âmbito de outro processo, é acusado de um crime de burla qualificada, outro de branqueamento de capitais, dois de peculato, mais um de devassa por meio informático, um de acesso ilegítimo e, por fim, um de denúncia caluniosa agravada.
O antigo inspetor da PJ, que foi vice-presidente do Sporting entre outubro de 2011 e junho de 2012, vai continuar a prestar declarações na próxima sessão, agenda para 17 de junho, às 09:30.
Lusa/SOL