Tiago Cruz, o golfista que odiava golfe

Começou por ser um castigo, um tormento, bater bola atrás de bola no driving range do Clube de Golf do Estoril, onde o pai sempre trabalhou. As memórias de golfe, do duas vezes campeão nacional de profissionais, recuam até aos seis, sete anos, mas o contacto com os greens pode bem ter acontecido mais cedo.…

Tiago Cruz, o golfista que odiava golfe

Não foi amor à primeira vista, nada disso. Tiago não gostava muito de bater aquelas bolas pequenas com um taco. Gostava sim de relva, mas sentia a falta de balizas, de chuteiras, de gritar golo. “Preferia jogar futebol, era essa a minha paixão de criança. Jogar no Benfica era um sonho. Queria ser futebolista, mas quando tive oportunidade de ir prestar provas a um clube já era demasiado tarde. Como em qualquer desporto temos que começar cedo”, explica. E foi assim que Tiago Cruz fez-se golfista. Todas as tardes, depois da escola, ia para o campo, treinar. “Era penoso no início, mas acabei por gostar”, diz, iluminando com um sorriso o rosto bronzeado por anos e anos de golfe.

A princípio, recorda, era mais brincadeira do que treino, e só aos 14 anos, quando foi chamado pela primeira vez à selecção nacional, é que o golfe começou a ser levado mais a sério. “Foi aí que percebi que toda a dedicação tinha sido recompensada, estava a ser reconhecida”, diz.

Sempre no Estoril – só jogou os últimos dois anos como amador no Vila Sol – Tiago passou a frequentar ainda mais a zona de treino. “Lembro-me que no intervalo para o almoço – eram duas horas – o meu pai ia buscar-me à escola, que ficava perto do campo, e batíamos um ou dois cestos, para não perder o ritmo.”

Valeu a pena. Depois da primeira chamada à selecção, passou a fazer parte integrante do projecto de alta competição da Federação. Passou por todos os escalões e chegou a vice-campeão nacional amador. Só lá fora, diz, sem disfarçar alguma tristeza, é que os (bons) resultados ainda não apareceram. Mesmo assim, conta com alguns top-10 de que se “orgulha” em torneios importantes e chegou a ficar a uma pancada de chegar ao European Tour.

Este ano, mais maduro, Tiago Cruz apresenta-se cheio de confiança e a jogar um golfe consistente. Acabou 2014 como número 1 da Ordem de Mérito da PGA de Portugal e no Algarve Pro Golf Tour somou duas vitórias e vários top-5. “Acho que comecei o ano com o pé direito, e o facto de poder jogar o Algarve Tour ajudou muito, porque só com competição, só jogando contra golfistas de fora é que conseguimos evoluir”.

Por isso, garante que vai aproveitar bem os convites que receber para jogar no Challenge Tour. “Ainda não sei quantos são, mas sei que vou aproveitá-los bem.” O objectivo continua a ser chegar ao European Tour. É para isso que treina todos os dias,  que vive e respira golfe. “Estou a treinar com o João Ramos, e tem sido bom. Puxamos um pelo outro. Fazemos pequenas apostas para estimular quando jogamos 18 buracos”, explica, acrescentando que os treinos têm decorrido no Oitavos Dunes, o campo do companheiro de treino, e, claro, no Estoril.

A vida de um golfista não é fácil, mas não se queixa. Tem o apoio da família e da namorada que tem conseguido acompanhar alguns torneios. “Sinto me mais descontraído quando ela vai”, confessa.

Mas não são só viagens e campos impecáveis. “Os meus amigos dizem, a brincar, que eu tenho uma grande vida, que são só passeios, mas não é bem assim. Viajo muito, mas conheço pouco os lugares. São hotéis atrás de hotéis, comida diferente todas as semanas. A distância de quem mais gostámos… enfim”. Não se queixa. Faz o que gosta, numa altura em que ser golfista em Portugal não é fácil. “Se tivéssemos mais um torneio do Challenge Tour, teríamos mais convites e mais oportunidades”, afirma.

Quanto a patrocínios, conta com o apoio do Banco BIG e da Galvin Green, há já alguns anos. Para esta época tem também o material e apoio técnico da Callaway. Não é mau, sabe que não. “Estou muito agradecido a todos os que me têm apoiado, sem eles não conseguiria continuar a jogar golfe”, garante, dizendo que a actual conjuntura impede mais apoios aos golfistas. “Sei que é complicado para uma empresa justificar o apoio a um golfista profissional, quando tem de despedir trabalhadores. Como é que se explica isto a quem perde o emprego?” O golfista não sabe. Sabe que tem dado tudo pelo golfe. Sabe que este ano não será diferente. O objectivo? Chegar ao Tour, pela escola de qualificação.

 

Artigo escrito por Márcio Berenguer ao abrigo da parceria entre a Revista GOLFE Portugal & Islands com o Jornal SOL.