Há muito que Noé burilava a ideia de um filme romântico mas em que o sexo seria real e explícito. A ideia chegou a ser sugerida ao casal Monica Bellucci e Vincent Cassel, que acabou por recuar, acedendo no entanto a participar no igualmente arrojado Irreversível.
Em Love, Noé volta com um novo filme que dividiu. Ainda assim, nas mais concorridas sessões do recente festival de Cannes, foram tantos os que queriam ver o tal 'filme pornográfico em 3D' que muitos tiveram de ficar à porta.
Considera que fez mesmo um filme pornográfico?
Não vale a pena mentir às pessoas a dizer que irão ver um filme pornográfico. Este é apenas um filme que tem várias cenas de sexo. A indústria pornográfica mostra o amor de uma forma muito estranha e artificial, desfasada da sexualidade da maior parte das pessoas. É tudo sobre gangbangs [sexo em grupo], vaginas rapadas, seios falsos, tipos que mais parecem soldados. Muitos podem masturbar-se a ver isso, talvez porque não se relaciona na verdade. Muito menos com a vida normal.
Porque será que o sexo no cinema ainda é tabu?
Não sei, mas a verdade é que a maior parte das pessoas só pensa nisso – em fazer amor. Por que razão os momentos mais incríveis da nossa existência não poderão ser representados no cinema e que todos os projectos desta natureza ficam aquém do desejado? É algo que não compreendo.
Como reagiu quando soube que o seu filme tinha sido seleccionado para Cannes?
Fiquei muito excitado, ainda que não tenha tido muito tempo para reagir, pois passei as 24 horas anteriores a Cannes a terminar a montagem.
Na altura em que lançou Irreversível, também aqui em Cannes, lembro-me de que já falava em fazer um filme com cenas de sexo explícito. E que até o tinha sugerido ao casal Monica Bellucci e Vincent Cassel.
Sim penso neste projecto há já muitos anos. Tentei mesmo fazê-lo antes de Irreversível e de facto inicialmente tinha-o proposto ao Vincent Cassel e à Monica Bellucci. Na altura disseram-me que sim. Mas depois reflectiram e perceberam que a única coisa privada que tinham enquanto casal era a sua sexualidade. Achavam que abordar assim a intimidade deles os poderia destruir. A Monica já tinha vários tipos que a perseguiam. No fundo, se ela já excita homens mais do que o normal, um projecto deste tipo poderia tornar a sua vida num pesadelo.
Acha que Love será um filme complicado de distribuir comercialmente?
Vendemos o projecto como um melodrama pornográfico. E pensei que se venderia como pãezinhos quentes. Mas o meu produtor, Vincent Maraval, disse-me que a partir do momento em que usasse a expressão 'pornográfico' para o descrever tudo seria diferente.
O Gaspar consumiu muita pornografia?
É claro que na minha adolescência vi muita pornografia. E mesmo depois. Mas depois conheci a minha namorada e deixei-me disso. No entanto, a ideia era contar uma história de amor vista pelo lado sexual.
Em que altura decidiu que faria aquela cena de ejaculação com efeito 3D?
Assim que decidi fazer um filme erótico em 3D toda a gente me perguntava se iria ter uma cena dessas.
Mas essa cena é CGI [gerada em computador], certo?
Não. Apenas parcialmente. Curiosamente, filmámos essa cena no final do primeiro dia de rodagem. É claro que aí usámos um duplo. Mas o efeito da ejaculação principal em direcção ao ecrã é real.
Falemos então dos actores seleccionados. Que tipo de percurso fez para encontrar estes actores que hoje vemos?
Encontrei a protagonista [Aomi Muyok] numa festa e achei-a giríssima. Fiz aquele papel do realizador que pergunta se quer participar num filme. Dei-lhe o meu número de telefone, o mesmo sucedeu com a outra rapariga [Klara Kristin]. O Karl [Glusman] era conhecido de um tipo que conhece toda a gente em Paris. O importante para mim era perceber se haveria química entre eles.
Concorda que o papel do actor principal é uma versão de si próprio? Talvez mais arrogante?
Não sei se é arrogante, mas sim, há algo de mim nesta personagem. O filme não é uma biografia de mim próprio, mas é um filme sobre pessoas que eu conheço.
Durante esse processo, houve algum momento de hesitação?
O Karl ficou aterrado no dia em que tivemos a cena com o travesti. Durante todo o dia não me largava a perguntar-me o que deveria fazer. É claro que quando os actores não estão habituados a filmar nus precisam de se descontrair. Não que tenham de se embriagar, mas eram capazes de beber um copo de vinho só para relaxar…
Foi usado Viagra no set?
Sim, o actor usou Viagra… [risos]
E algum deles tinha experiência do cinema pornográfico?
Não, não, nada disso. Ele era um actor que tinha apenas participado em dois filmes ainda nem estreados. E elas eram ambas estreantes.
Perguntei porque não deve ser fácil para um actor fazer amor com uma rapariga quando está rodeado de pessoas.
Pois não, mas acho que ele fez um bom trabalho.
Muito bom!
Eu tinha um plano alternativo no caso das actrizes se darem mal. No entanto, para essas cenas tínhamos uma equipa muito reduzida. Ao todo éramos 12 pessoas, mas para essas cenas ficavam apenas duas ou três. Até porque tínhamos duas câmaras.
Quando estamos a fazer um filme com sexo, acha que há margem para a improvisação?
Sim, claro. Algumas coisas são reais, outras são simuladas. Mas no momento em que estava a filmar os rostos só queria que fossem o mais real possível.
No filme vemos bastantes planos de pénis, mas não de vaginas. Por alguma razão especial?
Talvez porque as raparigas não se sentiam muito à vontade de serem fotografadas por baixo. Mas também acho que não havia necessidade.
O grande plano que vemos do pénis no interior de uma vagina é uma versão upgrade do que mostrou em Enter the Void?
Sim, é um upgrade. No fundo é uma referência a esse filme. Aliás, neste filme existem vários elementos que aparecem em outros filmes meus.
Os seus filmes habituaram-nos a personagens que consomem vários tipos de drogas. Qual foi no seu caso as experiências que teve?
Experimentei vários tipos de drogas. Mas nunca me senti viciado em nada. Interessava-se mais a experiência em si e as novas perspectivas com a ajuda de químicos. Mas conheço tanta gente que se perdeu devido ao consumo de drogas. Não só pela heroína, mas pela cocaína também. Vi muitos casais destruídos devido à cocaína, pois abre muitas portas, mas também as fecha.
Esse tipo de experimentação de que fala, permite-lhe ter uma nova perspectiva sobre a sua arte?
Não, nem por isso. Mesmo que a minha primeira experiência com LSD tenha sido incrível. É algo muito atraente, mas também assustador.
Já falou das suas experiências com drogas. E que tipo de experiências (ou desejos) sexuais quis representar neste filme?
Fazer uma ménage a trois pode ser divertido! [risos]
A banda sonora deste filme é muito curiosa. Poderia falar um pouco sobre as suas escolhas?
Antes de fazer os meus filmes normalmente não tenho qualquer ideia sobre a música que irei usar. Mas vou usando o iTunes do meu computador. Uma forma de escolher será rever todas as minhas músicas que têm cinco estrelas, que possa ouvir vezes sem conta e que possam funcionar nessas cenas. Por exemplo, as Variações Goldberg, do Glenn Gould. A verdade é quando as experimentei nas cenas de sexo assentavam perfeitamente.
Tinha planeado fazer este filme em inglês desde o início?
Sim. Mas este filme jamais poderia ser feito na América. Por isso trouxemos um actor americano para aqui.
Depois de Irreversível e de Enter the Void, parece que se tornou cada vez mais provocador. O que lhe apetece fazer a seguir?
Não sei, talvez um documentário.
Algum tema que o tente?
Fiz uma curta documental em África e gostei da experiência.