Depois de meses a fio de um interminável duelo, a sensação predominante era que se tinha chegado mesmo ao fim da linha entre o Governo de Tsipras e a semanticamente reformulada troika, embora se admitisse ainda um novo adiamento da decisão final – o que, no fundo, pouco ou nada resolveria. De facto, os credores internacionais pareciam inflexíveis em manter duas linhas vermelhas que o Executivo de Atenas considera intransponíveis: uma nova redução de pensões (a quinta em cinco anos) e um novo programa de despedimentos, agravando assim a austeridade contra a qual o Syriza foi eleito em Janeiro passado.
As concessões entretanto feitas pelos gregos, nomeadamente no campo das privatizações, não chegaram para satisfazer as exigências dos credores. E, para piorar as coisas, a Grécia acabou por encontrar-se isolada face aos parceiros europeus, após os primeiros sinais de aparente simpatia com que as suas reivindicações foram recebidas por alguns países como a Itália ou a França. A intransigência da Alemanha – e do FMI – impôs-se finalmente a todos os reticentes, constrangidos a vergar-se à lei do mais forte.
Mas as imprevisíveis consequências de uma bancarrota grega – sejam quais forem as modalidades adoptadas para tentar suavizar os seus efeitos – continuam a inspirar as maiores inquietações não apenas a nível europeu mas à escala global, no momento em que se verifica uma retracção da economia americana e dos países emergentes, oscilando entre a recessão brasileira e o arrefecimento chinês.
Não seria só a Europa a ser afectada por um default e um eventual grexit grego, abalando a já crítica estabilidade da zona euro e arrastando os países mais frágeis como Portugal para novos tempos de turbulência – que, aliás, o recente aumento das taxas de juro já prenuncia. O mergulho da Grécia numa situação de catástrofe ainda mais grave do que aquela em que tem vivido pode ter perigosas repercussões no plano geopolítico e da sobrevivência não apenas da zona euro mas da própria União Europeia. Além de acentuar, neste mundo interdependente em que vivemos, as terríveis incertezas que hoje pairam sobre a ordem internacional.
A partir do momento em que se abre uma brecha num edifício em fase de atribulada construção – e cada vez mais abalado pelas assimetrias que o corroem -, o risco de um desabamento passa a ser uma alta probabilidade e, eventualmente, um facto sem retorno. O que, no fundo, um colapso da Grécia prenuncia é a implosão das fundações nas quais assentava o projecto europeu e, com isso, o aparecimento de um enorme vazio na paisagem global.
Pode criticar-se o Governo grego – e, em particular, o seu egocêntrico e espalhafatoso ministro Varoufakis – pela arrogância e imaturidade com que conduziu as negociações iniciais com os credores externos, acicatando a animosidade dos mais inflexíveis – em particular do ministro das Finanças alemão – e prejudicando a aproximação e cumplicidade com os outros mais sensíveis à causa grega. Mas foi a ditadura punitiva da austeridade e a incapacidade da troika – ou, em particular, do Governo de Berlim – em apreender os efeitos desastrosos dessa doutrina o que precipitou a marcha das coisas até um beco sem saída.
Além das assimetrias originais e insustentáveis da zona euro, a cegueira com que foram encarados os problemas dos países mais expostos ao impacto da crise de 2008 e, sobretudo, a recusa em enfrentar a inevitabilidade da reestruturação das dívidas – sem provocar a ruína dos países devedores – criaram uma situação de bloqueio e afunilamento económico da Europa cujas consequências estão hoje bem à vista.
Mas não foi apenas a economia e a sociedade que sofreram com isso – e de forma avassaladora, como aconteceu na Grécia. Foi também a legitimidade democrática das instituições europeias que conheceu uma acelerada degradação, reduzindo a soberania do voto popular a uma abstracção e estimulando as derivas eurocépticas e os extremismos xenófobos. Assim chegaríamos, mais cedo ou mais tarde, ao dia D da Grécia – um dia D também para a Europa e para o equilíbrio das relações internacionais.
P.S. – Pelos vistos, Passos Coelho e Paulo Portas acreditam que basta reeditar o Programa de Estabilidade, virar o disco e tocar o mesmo para convencer os portugueses a votar neles…