‘Cheguei a transportar alimentos em carrinhas de mudanças’
Filipa Albuquerque
«O primeiro ano foi o mais trabalhoso e aquele em que conseguimos menos alimentos. Afinal, ninguém conhecia o Banco Alimentar». As recordações são de Filipa Albuquerque, 56 anos, desempregada e voluntária no supermercado desde a primeira campanha. Nessa altura, os transportes das doações eram, por vezes, da responsabilidade dos voluntários. «Cheguei a fazer o transporte dos alimentos em carrinhas de mudanças com a minha cunhada».
Hoje, o Banco Alimentar (BA) é reconhecido a nível nacional. Em 24 anos, Filipa tem um episódio que a marcou: «Estendi o saco a uma senhora que disse, emocionada, ter todo o gosto em ajudar quem já a tinha amparado». Mas nem todos os comentários são simpáticos. Quando ouve uma apreciação desagradável desvaloriza: «As pessoas estão no direito de não querer ajudar, e é isso que digo aos meus voluntários: Aceitem com um sorriso na cara».
‘O BA trouxe os princípios da gestão para a solidariedade’
Miguel Ribeiro Ferreira
Miguel Ribeiro Ferreira, empresário de 44 anos, era um jovem quando se juntou ao BA. «Tinha 19 anos e era estudante quando fiz a primeira campanha». Inicialmente, o seu trabalho consistia em «fazer entregas de alimentos em instituições, durante o ano inteiro». Hoje, é voluntário regular no armazém.
Miguel diz ter aprendido muito com Mardel Correia, um dos fundadores do BA. «Foi ele quem introduziu no voluntariado os procedimentos da gestão». O empresário trouxe essas aprendizagens para a sua vida profissional. Conhecido actualmente por ser um dos investidores do programa Shark Thank, transmitido na SIC, Miguel Ribeiro Ferreira assume: «Os ensinamentos que o BA me deu foram essenciais nas minhas escolhas empresariais». Ensinamentos que faz questão de agora transmitir: os seus três filhos já são voluntários do BA.
‘Ensinar aos jovens que há problemas maiores do que os deles’
Nuno Martins
Para Nuno Martins, bancário e escuteiro, de 44 anos, a cooperação com o BA começou em 1994, levado então pelo irmão gémeo. Nuno nunca mais deixou de participar na campanha, sendo actualmente chefe de equipa de um supermercado. Uma das particularidades que Nuno recorda dos primeiros tempos era «a ideia, errada, de que em Portugal não havia fome».
Nuno tenta transmitir aos seus escuteiros que «não lhes cabe julgar a quantidade que as pessoas dão ou deixam de dar: o mais importante é lutar contra a fome». E refere uma mais-valia do BA, construída ao longo destes anos: «O voluntariado no BA tem servido para sensibilizar a nossa juventude sobre a importância de dar. Isso é fantástico para os jovens. Perceberem desde cedo que há problemas reais muito maiores do que os deles próprios».
‘Acabou por desenhar o meu caminho’
Helena André
Nos passeios ao lado do armazém do BA na Avenida de Ceuta, em Lisboa, os carros apertam-se. Lá dentro, reina uma confusão organizada. É este o local onde encontramos Helena André, de 50 anos. Há 24 anos que Helena é uma peça importante no Banco Alimentar. Trabalhou inicialmente como assalariada, mas desde há 11 anos é exclusivamente voluntária. Formada em História, a área da acção social acabou por falar mais alto. «A vida é curiosa. O BA acabou por desenhar, de certa forma, o meu caminho».
Caminho que não está isento de peripécias. «Houve uma senhora que enfiou, sem querer, a carteira dentro de um saco. Vasculhámos tudo até a encontrar». Tarefa difícil, dado a imensidão de sacos que vão chegando. Helena recorda o início. «No primeiro ano, eram cinco lojas – hoje são 2.000». Este aumento deve-se também ao número crescente de voluntários. Ali, todos a conhecem, o que não é de estranhar – Helena é do tempo em que a sede do BA era uma pequena sala no Centro Padre António Vieira, «ainda antes de passar para um armazém em Santos e finalmente para estas instalações».
Na altura, Portugal era, aparentemente, um país sem problemas. Mas havia fome. Ainda há – o número de instituições ajudadas pelo BA não parou de aumentar. Essa é a principal razão para que estes voluntários partilhem a vontade de ajudar.