Christopher Lee: “Provei às pessoas que estavam enganadas”

A sua vida profissional durou quase 70 anos. É dos únicos actores da sua geração que participou em centenas de filmes – o IMDB, site de filmes e personalidades cinematográficas, conta com cerca de 350. “Quando alguém o abordava e dizia que já viu todos os filmes em que actuou, Christopher Lee gostava de dizer ‘Não, não viste’. Nem mesmo…

É provavelmente devido ao extenso currículo e à sua versatilidade de papéis, que é considerado uma screen legend (lenda do ecrã). Mas, antes da representação, voluntariou-se para prestar serviço ao exército finlandês na II Guerra Mundial, em 1939, durante 5 anos e quando tinha apenas 17. "Aquilo foi horror e sangue de verdade. Quando a II Guerra Mundial acabou eu tinha 23 anos e já tinha visto horror suficiente para o resto da minha vida. Vi coisas terríveis, pavorosas, sem dizer sequer uma palavra. Portanto, ver terror no ecrã não me afecta muito", disse, sobre o género que o tornou mítico.

Apesar de ser um fenómeno no mundo do cinema, a sua entrada na representação não foi bem vista pela família. Frequentou a Faculdade de Wellington, o seu pai foi coronel no King’s Royal Rifles e a sua mãe era condessa. "A vergonha! Pensa na vergonha que irá manchar a tua família! E depois ela [a mãe] disse uma coisa que mesmo hoje não consigo contra-argumentar. ‘Pensa nas pessoas assustadoras que irás conhecer!’".

Os primeiros filmes

Logo no início da sua carreira de actor, enfrenta desafios. O director da Two Cities Film já tinha dito que Christopher era tudo o que a industria do cinema procurava, mas quando se encontra com Josef Somlo, um realizador húngaro, para assinar um contrato, este afirma que é "demasiado alto para ser actor". 

O primeiro papel que protagonizou foi no filme Corridor of Mirrors (1947), realizado por TerenceYoung. 10 anos depois estaria a interpretar o monstro de Frankenstein no filme Curse of Frankenstein. Começava assim o trabalho com a Hammer Horror Film, onde alguns anos depois participou em Corridors of Blood (1958) e Dracula, que no mesmo ano o lançou para a fama.

"Acho que interpretar uma personagem boa é consideravelmente mais difícil. É mais divertido interpretar uma personagem maléfica, é-o para mim e espero que o seja também para o público. Normalmente, o papel é melhor escrito. E pode-se sempre criar mais impacto ao interpretar uma personagem má. Têm sempre qualidades muito cativantes e normalmente são as mais memoráveis", respondia numa entrevista feita no ano de 1975, disponível no youtube.

Christopher estava certo.Voltou a interpretar o vampiro noutros 6 filmes com a Hammer no final dos anos 60, consolidando o seu sucesso e a personagem criada por Bram Stoker, bem como a vida que apenas ele conseguiu dar. O que acabaria por ser uma maldição que assombrou a sua carreira de actor. "As pessoas não parecem compreender muito bem esse papel. Nunca foi bem interpretado antes de mim. O importante era o poder de sugestão para transformar o inacreditável no acreditável", desabafou à publicação inglesa.

Sentiu mesmo a necessidade de sair de Inglaterra para não ser intitulado como ‘a lenda do terror’. Viaja para Hollywood. O seu primeiro filme “na terra dos sonhos” foi Airplane 77, que o poderia ter matado devido a uma cena em que tinha de fingir estar morto debaixo de água, sem respirar. Nos EUA, onde permaneceu 10 anos, fez vários géneros de filmes, incluindo westerns. "Fiz todo o tipo de filmes na América, alguns dos quais já nem me lembro". Pelo meio, um 007 onde, claro, interpreta o mau da fita.

Conquistar uma nova geração de fãs

A participação nas mais importantes sagas dos anos 2000, como O Senhor dos Anéis, A Guerra das Estrelas e Hobbit vieram a ser uma espécie de lufada de ar fresco para a sua carreira. As novas gerações reconheciam-no como o Saruman, na trilogia de LOTR, e pelo vilão Conde Dooku, no segundo e terceiro episódios da primeira trilogia criada por George Lucas. 

Mas o actor também cantava, tendo-se nos últimos anos dedicado ao heavy metal e lançado o último disco dois anos antes da sua morte, que ocorreu  no passado domingo devido a problemas cardíacos e respiratórios.

A personagens que interpretou em filmes de Tim Burton, como Alice no País das Maravilhas e Charlie e a Fábrica de Chocolate, foram das últimas na sua extensa e proclamada carreira, que para Lee foi mais do que um trabalho: "Passei a minha carreira inteira em frente às câmaras a fazer duas coisas nas quais fui bem sucedido: uma delas foi surpreender as pessoas por não ser a personagem que elas pensam que eu sou. Tentei surpreender as pessoas ao fazer algo inconvencional,inesperado. (…) E provei a várias pessoas que estavam erradas. Aquelas que me disseram ‘és demasiado alto para ser actor’ e que só fazia filmes de terror e que nunca iria conseguir escapar à maldição de Dracula. Um idiota escreveu isso num artigo para o Sunday Times".

"A pessoa que o escreveu é que nunca mais vai poder livrar-se da maldição de pensarem que é um idiota chapado" concluiu, com humor.

simoneta.vicente@sol.pt